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10 de jan. de 2023
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Escola Livre de Arte:
Arte marginal, transdisciplinaridade e hibridizações artísticas a partir da ocupação artística Ouvidor 63 em São Paulo
Bryan Meza
Durante as últimas décadas, a educação artística dentro dos movimentos sociais na América Latina, e especificamente na luta por acesso à educação, cultura, arte e moradia digna nos países do Hemisfério Sul (Brasil-Peru), vem se consolidando como uma ferramenta de construção de imaginários coletivos e de estruturas sociais que se contrapõem às bases ideológicas que o capitalismo instaurou na educação e no imaginário social latinoamericano. Nesse percurso, vem surgindo uma escola livre de arte que, dentro dos movimentos sociais, participa como um ato político, a qual visa e evidencia que a formação autônoma das pessoas marginalizadas, periféricas e imigrantes consegue uma profissionalização artística que cria novos circuitos de arte e cultura. Apresenta-se assim um modelo possível de educação artística, à margem da política pública hegemônica, que visa a construção de novos paradigmas para a educação artística, que seja acessível, viável, decolonial e para um estudo objetivo da realidade a partir da vivência, de ações, processos e produções criativas e coletivas.
Este ensaio busca identificar processos desses espaços-experiências de educação artística dentro dos movimentos sociais e de outras redes de intercâmbio cultural e artístico, em nível global, na luta por direito à cidade e pela autodeterminação dos povos na construção do mundo. O trabalho é sustentado pelas experiências pessoais, individuais e coletivas, e vivências no cotidiano do Centro Cultural Ocupação Ouvidor 63 em São Paulo, assim como pelo reconhecimento de outras experiências de educação artística autônoma a partir de meados do século 20 nos territórios do Hemisfério Sul e/ou como nomeado, pela cultura ocidental, Terceiro Mundo, com a finalidade de contribuir para o entendimento da formação artística autônoma como ferramenta de reinvenção do mundo e de recriação coletiva de estruturas sociais.
Introspecção que me leva a escrever um texto acadêmico
O processo de escrita de um trabalho acadêmico é um desafio para uma pessoa que vem de periferia, o contexto urbano em si não determina uma categoria intelectual. Há políticas públicas de educação aplicadas para as populações periféricas, porém, é necessário mencionar que o Brasil vem desenvolvendo, para o olhar do restante da América Latina, uma política de democratização da cultura como modelo a seguir. Uma das evidências é a Lei de Pontos de Cultura, que em julho de 2024 comemorou 20 anos de politica publica,. Atualmente, a Rede Cultura Viva é uma realidade, e consiste em um ambiente de interlocução interinstitucional e de estratégia política protagonizado pelos Pontos e Pontões de Cultura, pelo MinC, por gestores públicos dos entes federados, e por todas as instituições, entidades, grupos formais e informais e agentes culturais que são beneficiários dessata política pública (Reis e Souza Jr., 2016); o programa, -ou a políitica púublica Pontos de Cultura foi adquirindo diversos procedimentos e regulamentações em outros países de América Latina, sob o permanente risco de se converter em mais um programa governamental para aderir as organizações culturais às estruturas políticas hegemônicas, o que faz com que a cultura das periferias ainda tenham muito trabalho políitico que desenvolver, e é nessa situação que as condições e os contextos demandam de manifestações e ações contra-hegemônicas e autônomas, pois permite-se uma prática que a maioria dos governos pró-capitalistas nesses territórios, ora terceiro mundo, ora países em desenvolvimento, reproduzem: a falta de vontade política e a indiferença com respeito à educação das populações marginalizadas, e a consequente redução de oportunidades para a profissionalização e o trabalho digno, ou seja a subestimação da intelectualidade de quem nasce e cresce em periferias.

Cortejo na 15º FITECA no assentamento humano “El Madrigal”, 2016. Foto: Maud Veith.
Das minhas experiências no campo da pedagogia, anteriores e atuais, notei que é irrelevante utilizar alguns termos para se referir a quem ensina e a quem aprende, sobretudo quando o que começa a ser relevante é a prática e a vivência que prioriza o educando e não os educadores.
Na cidade de Lima, apóos 140 anos da chamada Independencia, surgiu uma ocupação de terras para moradia que a sociologia e a antropologia denominaram Desborde Popular (Matos Mar, 1984). Aos povoados formados apóos essa primeira ocupação de terras periféricas urbanas, oel estado burguês chamou de Barriada, Pueblo Joven, Asentamiento Humano, … Distrito (Boluarte, 2014). Assim que, com vontade de reconhecer a comunidade periférica como guia e orientador, reservo uma menção às minhas origens na militância cultural: existe um bairro chamado La Balanza, na parte alta da zona norte de Lima, capital do Peru, e, nesse bairro, está localizado o assentamento humano El Madrigal.
A política hegemônica dos governos criminalizam e insistem em visibilizar tais territórios e comunidades por meio dos altos índices de violência social, quando o fato é que são famílias migrantes ou deslocadas forçosamente de outros cantos da cidade e do país, na busca da construção de melhores qualidades de vida, as quais acabam sendo oferecidas pela propaganda capitalista, mas, nessa mesma lógica, a moradia digna das famílias não faz parte do esquema da planificação urbana da cidade que propõe a globalização capitalista. Em termos socio estratégicos, e em prejuízoperjuicios para das comunidades periféricas, o fim do século vinte foi o iníicio dao novao ordem unipolar ema níivel global por parte do capitalismo doe occidente e da América do nNorteamérica (Matos Mar, 2004)
Foi no El Madrigal que eu tive a oportunidade de conhecer pessoas com sonhos de tamanhos comparados à imensidão do céu, alegoricamente fazendo alusão à localização geográfica do bairro, na parte alta das montanhas da zona norte de Lima, que por sua vez fazem parte da cadeia de montanhas vinculadas à Cordilheira dos Andes. Essa comunidade me mostrou um horizonte de possibilidades que a pedagogia poderia permitir nas periferias, e uma delas foi conseguir, a cada final de verão, apresentar os resultados das oficinas de arte, em que prevalecia a prática do teatro e do circo, além de música e artes plásticas, e também a visibilidade e a articulação com outros espaços-experiências, tanto por meio das mídias sociais e da imprensa local como, principalmente, pelas nossas itinerâncias, que poderíamos associar com o caminho de Peabiru que indígenas da América do Sul fizeram para unir a Cordilheira dos Andes com o Oceano Atlântico, numa analogia de estar apresentando em São Paulo uma parte do movimento cultural/contracultural de Lima, cidade com costa no Oceano Pacifico. Mas ainda é complexo o entendimento dessas articulações, que atemporalmente estão integrando cultura das periferias, ancestralidade continental, educação pública e popular e as lutas por reivindicações sociais sobre moradia digna e educação popular.

16º FITECA, note-se que o cenário ocupa a rua (quadra a céu aberto), 2017.
Foto: Coletivo Somos Minka Audiovisual.


Reportagens em jornais visibilizando o bairro La Balanza. Fotos: acervo Bryan Meza.
O capitalismo conduz as massas periféricas para uma escravidão moderna. Nesse contexto, nós, filhos de famílias marginalizadas, com menos qualidade de vida, netos das migrantes de saíram do campo para a cidade em busca de progresso na capital, que acaba alienando-as nessa realidade hostil e discriminante, com essa carga de memória escrevemos, com essa insatisfação, quase dor, das vozes e culturas que foram e são invisibilizadas nos registros histórico-culturais propositalmente pelas instituições do capitalismo global, seja pelo sobrenome, seja pela condição econômica ou status social-intelectual, nós que ainda levamos um corpo ancestral sob opressão da colonização, estamos aqui, escrevendo livros, documentando nossas vozes para que algum dia ecoem no mundo inteiro e encontrem-se entre elas, por meio das nossas vidas viajantes do mundo.
Nessa viagem — sem retorno — me encontrei, morando e produzindo conhecimento numa das maiores cidades do mundo, permitindo que a minha sensorialidade seja manifestada num processo que resista à alienação da academia. Não foram cinco séculos de colonialismo, são todos os dias da nossas vidas que a política neoliberal apresenta essas condições para nossos povos e nossas populações. Ao escrever, deixo que meu sentir leve o sentir de meus parentes e ancestrais que foram silenciados para trabalhar, que trabalharam para não morrer, que não morreram para me dar a vida, e que nesse submetimento conseguiram cuidar dos que viriam depois, como eu, filho de mulher trabalhadora, neto de mulher trabalhadora e migrante que partiu da província de Ayacucho, zona registrada como origem do conflito interno peruano que, segundo o informe da Comissão da Verdade e Reconciliação (CVR) do Peru, deixou mais de 15.000 desaparecidos, 70.000 mortos e incontáveis casos de esterilizações forçadas aplicadas a indígenas para evitar o nascimento e o ressurgimento de uma população faminta de revolução e de justiça social. Posso viver para escrever hoje pelo maravilhoso fenômeno humano de migrar, essa mágica prática de ser nômade e se arriscar a deslocar-se em busca de uma outra vida, em agradecimento ao sangue das minhas mães, deixo o meu sangue à disposição das vidas que, assim como nós, virão buscar outra vida, uma vida sem opressão do capital.
Nós, vidas rebeldes que atuam permanentemente, espalhados pelo mundo inteiro, e nossos modos de vida e de educação um dia se articularão para forjar um outro mundo onde crianças e mulheres possam nascer e crescer sem medo (Subcomandante Marcos, 2016).
Colaboro com esses retornos ao campo da pesquisa a partir de vivências e reflexões, como artista marginal periférico e itinerante, imerso num território intelectual de acesso restrito como o presente projeto de pesquisa, apresentando uma visão do que é viver a arte como agente de transformação social, atravessando dimensões conceituais da educação artística, argumentos e referências da luta por moradia e cultura, e pelo direito à cidade, para reinvenção da vida na contemporaneidade.
Transcrevo vivências e experiências próprias e coletivas. Proponho que os princípios estejam no fim, e, no caso apresentado, trata-se da identificação e da criação de espaços de ensino e aprendizado contra-hegemônico em resposta à mercadoria acadêmica que o capitalismo global impõe permanentemente.
A educação artística como ato político-cultural
Como é possível que menores de periferia conseguem ter acesso às artes por meio de oficinas gratuitas sem ser condicionados para poder participar, ou que podem esses mesmos menores e suas famílias assistir apresentações artísticas de música, circo e teatro na rua, no parque ou na quadra do bairro, e que essas obras que assistem foram produzidas também por grupos artísticos de bairros periféricos?
Diversos grupos como esses já circulam seu trabalho por diversos países e, assim, nesse percurso de viagens e trocas, conseguem trazer outras técnicas-tecnologias, conhecimentos e ideias sobre as artes e a identidade cultural a partir de uma prática artística. Nessa dimensão social-cultural atuam duas organizações com as quais trabalhei de perto: a primeira foi o grupo de teatro La Gran Marcha de los Muñecones, uma das refrencias do tearo pópular das periferias do Lima e do Peru, e que representa em parte a influencia do teatro do oprimido de Augusto Boal e do tercer teatro, que propoe Eugenio Barba e o Odin teatre (De la Sotta, 2014), o grupo que desde o início dos anos 2000 promove uma escola de arte durante o verão no próprio bairro, e desde 2002 organiza, em conjunto com outros grupos artísticos locais, um dos maiores festivais de teatro em espaço aberto da América Latina — o Festival FITECA, na zona de La Balanza, em Comas, distrito da periferia norte de Lima; e a segunda foi a Casa Cultural Luces en la Arena que, além de oferecer oficinas para menores do bairro desde 2012, vem organizando as Convenções de Circo de carácter internacional que a cada edição recebe mais de 100 artistas provenientes de diversos países, no bairro de Pachacutec, na zona noroeste de Lima — hoje uma das referências de Circo Social nas periferias de Lima, com 12 anos de atuação de forma autônoma e autogestionária. Essas experiências têm em comum também a apresentação de resultados dos processos formativos de crianças e adolescentes, da mesma forma como essas pessoas artistas-educadores chegam a se apresentar frente à comunidade: num palco lotado de público local.


Encerramento de duas oficinas de verão com crianças e adolescentes do bairro La Balanza, apresentando-se no mesmo palco do festival FITECA (2014 e 2016). Foto: acervo Bryan Meza.
Como é possível que artistas viajantes formen e criem uma nova geração de crianças itinerantes, que vão assimilando outras percepções da geopolítica, talvez mais autêntica, e sobretudo baseada no seu próprio percurso nômade?
Esses processos de educação desses menores não foram, nem são, enxergados por nenhum sistema educativo instaurado por algum governo, de qualquer que seja a orientação política. Assim acontece no Centro Cultural Ocupação Ouvidor 63, no centro histórico de São Paulo, onde você vê aquele menor que cresce viajando por diversos países e conhecendo artistas das mais diversas linguagens, e interioriza o respeito à diversidade; são crianças que reconhecem as diversidades com um olhar mais fraterno — e um tanto rebelde. Esse processo de criação de identidade, ao mesmo tempo em que se estuda, ou que se educa, é uma experiência única e incomparável com qualquer outra metodologia pedagógica das escolas tradicionais.
E dessas mesmas escolas livres saem artistas viajantes, que levam os princípios na prática, democratizando e gerando acessos às artes, fazendo parte desse espaço-experiência que é a escola livre de arte, tornando-a uma força política, quando localizada em um contexto de ativismo cultural ou espaços artísticos autônomos, podendo assim conseguir ser de interesse social. Embora sejam minorias ou comunidades itinerantes, descentralizadas ou temporais, esses espaços-experiências vão diminuindo o alcance das instituições ao serviço da indústria do capital e permitem imaginar ativamente um mundo onde caibam muitos mundos.
Transcrever a nossa própria experiência na busca de aportar ao desenvolvimento científico da sociedade é um estímulo para a preservação da memória, e é desse lugar da memória que surgem as utopias reais que estamos transcrevendo.
Escola Livre de Arte, foi o nome de uma experiência no centro histórico de Lima, que permitiu evidenciar uma necessidade das escolas oficiais de arte daquela localidade. A prática artística desde a experimentação autônoma no espaço permitia o intercâmbio de conhecimentos a partir da práxis, e na arte pode-se pensar que artistas criando ensinam tanto ou mais que educadores ensinando a criar. Foram os laboratórios que me levaram a imaginar novas metodologias de ensino.

ELA, Lima, 2019. Foto: Arturo Diaz.
Numa oportunidade, organizamos um evento intitulado Indagar, em que três artistas plásticos e visuais residentes da ELA apresentariam suas obras mediante performances, ou seja, mergulhando nas artes cênicas a partir das artes plásticas. Participaram dessa experiência os artistas Cristo Ramos e Yalo Sabes, apresentando seus processos criativos com a montagem de uma cenografia e o processo de produção como performance, e o coletivo Nervio apresentou uma ação com a fusão de música, rap, grafite e pintura, e foi uma das experiências que me incentivaram e deixaram encaminhadas em mim algumas ideias para o que seria, alguns anos depois, a Galeria Neon do projeto Marginalia na Ocupação Ouvidor 63 e no campus da EFLCH-UNIFESP. Mas, até chegar nesse ponto, durante esse período realizamos laboratórios Neon no 10º andar, chamados também de Indagar; foram em torno de nove edições, entre 2022 e 2023.

Indagar vol. 1, realizado na ELA, Lima, 2019. Design do cartaz: Jair Uzziel.


Indagar vol.8, Laboratório de Arte Neon no 10º andar da Ouvidor 63 (2022-2023). Desenho do cartaz e foto: Bryan Meza.
Como continuação de experiências de ensino na periferia norte de Lima, embora eu ainda estivesse morando no centro histórico da cidade, surge o projeto Escola de Circo Integral “Circomas” — palavra criada a partir de circo e o nome do distrito, Comas. Entre 2017 e 2019, no período de verão, participei da equipe de gestão e organização das aulas de circo para crianças, jovens e adultos, realizadas na praça principal do distrito. Acompanhamos durante o ano inteiro os avanços das participantes mediante encontros de treinamento aberto que realizamos no espaço, elaboramos certificados de participação, que eram entregues no final do verão, e que acabaram sendo simbolicamente um fator importante para o autorreconhecimento e a valorização da educação autônoma à margem das instituições e suas formalidades, pois havíamos encontrado a nossa própria formalidade, e essa seria nossa contribuição para a criação de mais espaços-experiências de circo, e mais espaços de arte nas periferias, justificando essa demanda com os resultados que as participantes apresentavam durante cada mostra, no final do verão, afirmando que não é suficiente o talento com o qual a pessoa nasce, mas é de constância e estudo que precisamos para a conquista do conhecimento.

Escola de Circo Integral Circomas, mostra de resultados 2019. Foto: acervo Circomas.
Toda vivência tem alguma consequência, e cada experiência se transforma em conhecimento. Com essa premissa, surge “El Norte es mi Centro”. Comas: Activismo Cultural y Contracultural en los últimos 10 anos, que seria a última ação que realizei em Lima. Trata-se de uma apresentação de minha leitura crítica do período entre 2009 e 2019, foi a oportunidade de identificar as potencialidades e as ameaças dos movimentos culturais periféricos, a partir da minha militância cultural, e assim contribuir com o entendimento e a construção do movimento cultural das periferias da zona norte de Lima. Alguns dias depois estava rumo a São Paulo.

Cartaz com foto de um participante das oficinas de arte no bairro La Balanza. Lima 2019. Desenho: El Paradero Cultural. Foto: Janio Eleoseo.
Educação artística decolonial
A experiência dentro da Ocupação Ouvidor 63 provoca o distanciamento da prática artística dos patrões construídos pelo circuitos oficiais de arte, e, não apenas em São Paulo, mas como um fenômeno cultural das capitais ou grandes metrópoles do mundo, desenvolvemos práticas de criação coletiva e autossustentabilidade comunitária mediante o aprendizado que acontece na vida cotidiana da Ouvidor 63. Assim, partindo de alguns princípios como o conceito de que toda pessoa é artista e criadora, começamos a ressignificar o conceito da Arte.
Como podemos desenvolver novos paradigmas na educação artística a partir da experiência da militância no movimento das ocupações artísticas?
Alguns dos fatores que confrontamos são a metodologia de ensino em artes, o estudo da história da arte e os critérios que a universidade ou as escolas oficiais de arte utilizam, e como tais instituições enxergam a construção da cidade e seus acessos aos bens culturais, a especulação no mercado de arte assim como no mercado imobiliário ou na mercadoria acadêmica, a estrutura de violência institucionalizada nos diversos setores socioculturais, entre outras condições que permanentemente temos que evidenciar, reconhecer e superar, na busca de novos paradigmas para a educação em artes e a democratização dos conhecimentos científicos na contemporaneidade.
Ao perceber como esses e muitos outros espaços-experiência onde menores ou pessoas em processo de formação artística ou de outros ofícios são reflexos de nós mesmos na busca por aprender ensinando, ou por saber fazendo, além de qualquer categoria ou condição prévia, evidencia-se a necessidade de conhecimentos a partir da experimentação. Com isso, começo a enxergar meu próprio processo como objeto de pesquisa, minhas experiências como evidências do assunto a tratar, focando a análise de como vem funcionando a educação artística em nós mesmos, nos espaços de onde nós viemos e onde atuamos, num processo de descolonização e de emancipação de padrões acadêmicos hegemônicos.
Educação livre e artística é insurgente, não há escolha quando se decide percorrer um caminho oposto às pretensões do capitalismo global, sobretudo nos países do Hemisfério Sul, onde as práticas predatórias de saberes ancestrais vêm sendo intensificadas desde a institucionalização dos movimentos culturais, e às vezes também sugam e alienam práticas da contracultura. Assim, então, nosso território de luta é o imaginário (e a memória), a cultura de bem viver frente à cultura de massas do capital, nossas identidades diversas frente à padronização da vida. A educação artística é, aos poucos, um dos pilares da construção do mundo, de imaginários e de memória, foi antes e será depois. Nossa função, ao desenvolver essa pesquisa, é afirmar que é urgente combater de frente a neocolonialidade que existe nas instituições de ensino em artes, barrando as paredes e quebrando cadeados e correntes com o grito de rebeldia de quem está construindo-recuperando aos poucos seus conhecimentos e sua identidade.
Narrativas híbridas e cidades rebeldes
Trata-se de análise, síntese e interpretação de múltiplas dimensões conceituais com fundamentos e princípios similares ou potencialmente complementares, visando a resignificação de argumentos produzidos com métodos convencionais e em prol da criação de novos paradigmas para a teoria e a sistematização de experiências sociais e culturais, ou seja humanas.
O método da presente pesquisa utiliza ferramentas não literárias para estruturar a narrativa, é a consequência de uma prática, e do processo de observação de nossa própria participação na ação em análise surgem as primeiras evidências da narrativa híbrida, alguma característica que será identificada desde o começo da pesquisa.
Quando algumas singularidades encontram um fio condutor que as integra numa expressão literária, aparecem os primeiros gráficos, leituras e releituras, interpretações artificiais e imaginativamente ativas. Assim, a normativa literária começará a ser ressignificada e representada nas linguagens possíveis, e também nas que não sejam.
A narrativa híbrida apresentada neste ensaio atravessou três caminhos para chegar a sua realização: o estudo do livro Cidades Rebeldes (David Harvey, 2014), o projeto de intervenção urbana Motor Humano, e a minha moradia artística no Centro Cultural Ocupação Ouvidor 63. Durante uma análise prática e teórica de tais caminhos em simultâneo fomos adquirindo alguns detonantes conceituais e metodologias experimentais, criativas e comunicativas para contribuir para o estudo do movimento de ocupações artísticas.
O primeiro, esclarecendo que a ordem não determina sua relevância ou hierarquia, é o livro Cidades Rebeldes, de David Harvey. Essa possibilidade de localizar numa leitura acadêmica uma crítica ao capitalismo num contexto capitalista, e algumas descrições e observações da globalização urbana que contribui e provoca sentir-se identificado, estimula a continuar na linha de estudo sobre a realidade urbana global. E em relação à força revolucionária das populações que lutam pelo direito à cidade, o livro traz informações e opinião, abre o diálogo e os intercâmbios de conhecimentos entre comunidades de diversos territórios e gerações, permite a possibilidade de mergulhar no pensamento crítico global anticapitalista, além de buscar outros acessos no estudo e na análise dos fenômenos sociais provocados pela industrialização e pela urbanização globalizada.

Intervenção no Centro Histórico de São Paulo, 2024. Foto: Camila Quesada.
O segundo, e na minha posição de criador uma das mais importantes de processo prévio a esta pesquisa, na minha vivência artística, urbana e de protesto, trata-se do laboratório de intervenções urbanas do projeto Motor Humano, que pode evidenciar como práticas urbanas geradas pela globalização acabam resistindo e se colocando em oposição ao sentido do capitalismo globalizado urbano; ou seja, que é possível descrever uma prática a partir da visão linear do tempo, mas o que resulta mais substancial é sua existência atemporal, a transgressão à temporalidade da globalização urbana, o resgate de práticas culturais através do tempo hegemônico que as apaga ou distorce, a visibilização da precariedade não romantizada, e, sobretudo, a redução da vida social artificial que mergulha nas veias de nossos territórios urbanos. Ficam sinais desafiantes das instituições ao serviço do capital que buscam aderir, acompanhar, alinhar e, por fim, extinguir nossos imaginários de vida digna nas cidades, afirmando assim que a voz de quem não pode falar ficará com mais impacto nos ouvintes capitalistas (ouvidos do capital).
Ações do Motor Humano no Centro Histórico de São Paulo, 2024. Foto: (esq.) Tamyris Soares, (dir.) Bryan Meza.
O projeto Motor Humano é uma experiência itinerante, um laboratório de intervenções urbanas a partir da criação de bicicletas gigantes com peças em desuso, que atualmente articula artistas e espaços culturais entre a América Latina e a Europa, propõe novos protagonismos para recuperar a cidade mediante o protesto estético e confrontativo ao sistema de automobilização urbano. O projeto atua com a missão de revolucionar os imaginários urbanos além de despertá-los, e quando as bicicletas gigantes percorrem a cidade algo acontece nessas ruas: motoristas, pedestres e nós, criando juntos artifícios anticapitalistas, integrados numa narrativa difícil de transcrever, mas o trabalho aqui pretende desenvolver essa tarefa, e acredito que é possível.

Construção de bike no atelier do Motor Humano, localizado na garagem de Ouvidor 63. Foto: Rafael Botas.
O terceiro é minha militância como ocupante na Ouvidor 63, moradia artística e um novo paradigma na luta social. A comunidade em análise compõe comunidades diversas, individualidades rebeldes ao padrão de relação capitalista, no econômico-político, no educativo-intelectual ou cultural-espiritual. Aqui a vida em comunidade permite expandir suas referências sensoriais, afirmar que nada está fixo nem fixado no espaço, que os espaços-experiências estão vivos, em movimento constante, e ainda parecem cada vez mais autossustentáveis. Por meio de laboratórios mantêm-se a criação e a reinvenção da vida. Morar numa ocupação artística como Ouvidor 63 é estudar a vida a partir das artes e evidenciar que é possível melhorar a qualidade de vida a partir da educação artística.
Os métodos didáticos aplicados em espaços-experiências autônomos precisam de laços humanos e sinergias espontâneas-orgânicas e começam a se manifestar de várias formas uma vez que a prática às vezes não é falada nem descrita, e na maioria das vezes nem transcrita. Então, como explicar para as próximas gerações de ocupantes e pesquisadores o que é desenvolver em simultâneo uma pesquisa e ocupar artisticamente?



A moradia artística na Ouvidor 63 é uma escola de artes e ofícios. Fotos: acervo Bryan Meza.
São esses três caminhos que atravessarei coletando fragmentos vivos, que criarão permanentemente conclusões e releituras dessas experiências.
Narrativas híbridas é proposta como uma apresentação parcial da metodologia de pesquisa, que pode ser reproduzida, questionada, modificada ou ignorada, mas que representa o mais próximo de uma explicação literária da minha prática e militância. Na busca por metodologias que enxergam práticas de arte marginal ou transdisciplinar fui me sentindo disposto a falar e arriscar, assim, a transcendência de meu lugar de fala é acreditar e imaginar, e confesso que minhas dúvidas e meus desconhecimentos estão presentes neste e em outros processos de pesquisa.
Quais seriam as características de uma Escola Livre a partir dessas referências?
Ensino in-formal e comunitário
Um dos principais fatores que identificamos é a acessibilidade, a diversidade e construção do “comum”, a não necessidade de instaurar condições para participar de um espaço-experiência de aprendizagem autônomo, e que a pedagogia de caracter comunitario evita reproduzir ou reutilizar aquelas metodologias que são aplicadas nas escolas de arte convencionais que homogenizam e alienam a estudantes e aprendizes
Processos criativos e colaborativos
O aprendizado autônomo e a autogestão de conhecimento, quando não está ao serviço dos padrões do capitalismo que se foca no produto e o valor de mercado, permite que sejam os processos as principais evidências do aprendizado nessas escolas, e não as produções estéticas ou os serviços capacitistas. Somente mediante o intercâmbio de conhecimentos convertem esses processos em práticas colaborativas que cultivam nos artistas em formação um método para contribuir com a educação artística autônoma.
Formação de agentes contraculturais e a construção de identidade
O aprendizado nas escolas livres cria agentes mediadores e transmissores de informações, da mesma forma que os espaços de formação formais-tradicionais, mas com a finalidade de reivindicar as diversidades culturais e artísticas, forjando uma identidade própria baseada na diversidade que confronte o capitalismo global a partir do pensamento, do imaginário, da memória e da prática.
Resistência política e a promoção da cultura popular
O impacto da relação entre a educação e o território se evidencia fora dos espaços de ensino. Uma escola livre num território reconhece a arte como uma dimensão que enxerga todas as áreas do conhecimento; ou seja, não especificamente as atividades artísticas, mas sim as atividades criadoras, criativas e comuns, e em diálogo com as populações que habitam no território. A defesa das culturas periféricas implica ações propositivas que impactam nas políticas públicas, fazendo destas uma política comum. Nesse sentido, o imaginário social vira política local quando a comunidade, marginal ou periférica, compreende que as estruturas são um meio à disposição da luta, e não como finalidade do movimento cultural da comunidade.
As escolas livres de arte: diálogos entre a educação artística e os movimentos sociais
É possível fazer uma breve análise de como é desenvolvida a educação artística nas ocupações artísticas a partir da identificação de algumas experiências de educação contra-hegemônica, localizadas dentro dos movimentos sociais no campo e nas cidades, reconhecendo-as como uma educação que pretende enfrentar o capitalismo a partir de um fator substancial que é a autodeterminação para nossa força de trabalho, e que avança e prolifera uma demanda acompanhada de propostas de educação alternativa, inclusiva e criativa, consciente da justiça social. Contudo, trata-se de uma intersecção entre artistas sociais com a luta das pessoas trabalhadoras: a luta por moradia digna, e por arte, cultura, educação e pelo direito à cidade.
O período que abordamos aqui será a partir de meados do século vinte, período em que surgiram espaços-experiências que visavam a expansão desses outros métodos pedagógicos e de criação artística, de uma educação mais inclusiva, solidária e autônoma, dentre os quais destacam-se os seguintes:
O MST com as Escolas Itinerantes cria uma referência consistente para entendimento da educação em comunidade, e como reparação histórica, no estudo sobre a educação nesses espaços-experiências, evidenciamos a militância de trabalhadoras, educadoras, camponesas e artistas itinerantes nas últimas décadas.
Na construção da identidade latinoamericana, a partir das revoluções que aconteceram, será pertinente reconhecer a influência da revolução cubana, com seus programas de comunicação, propaganda e arte gráfica e pelo incentivo às artes, as quais seriam um meio de articulação entre América Latina e os povos da África e da Ásia, que, durante o período da chamada guerra fria, foram chamadas de terceiro mundo pelo ocidente.
Posteriormente, das revoltas e reformas que aconteceram na América Latina, no campo e nas cidades, a luta pela reforma agrária tem sido transversal na história continental no último século. No Peru, considera-se uma referência histórico-política o caso da campanha Terra ou Morte, liderada por Hugo Blanco, que entre 1961 e 1963 promoveu grandes manifestações e a invasão de latifúndios no Sul do Peru, com o objetivo de expropriar as terras e realizar a reforma agrária.
Oswaldo Guayasamin, nascido em Quito, Equador, alcançou impactos em nível continental, sendo referência até hoje para novas tendências na pintura expressionista de origem indígena, recebeu em 1957 o Prêmio de Melhor Pintor Sul-Americano, concedido pela Bienal de São Paulo, Brasil.
A visão da educação segundo Paulo Freire, conseguindo que trabalhadores rurais aprendessem pelo método baseado no diálogo crítico, e que propôs, no início dos anos 1960, que a palavra podia deixar de ser o veículo das ideologias alienantes para tornar-se o instrumento de uma transformação da sociedade.
Nas artes cênicas, é criado o teatro Oficina por estudantes da escola de Direito no Largo São Francisco em São Paulo, em 1958. E, alguns anos depois, no contexto da oposição à guerra do Vietnã, surge o grupo Bread & Puppet, em que Elka e Peter Schumann, procurando oportunidades de se desenvolverem como educadores, criam um teatro de marionetes, com obras para a rua que abordam, a partir de um olhar crítico, diversos temas como ecologia, capitalismo, militarismo, políticas sociais e urbanas.
Em Chiapas, México, a partir de 2000, o movimento zapatista desenvolveu o que chama de a outra educação, que são escolas criadas pelos zapatistas onde estudantes conservam a língua originária e o permanente olhar para o seu contexto. A educação zapatista está baseada numa relação de harmonia com o ambiente social e natural, mantendo a autonomia e a liberdade como princípio, e a crítica para a educação oficial.
Na literatura latinoamericana, a obra informativa e poética de Eduardo Galeano conserva a chave para o despertar da insurgência literária. Ele compõe a narrativa histórica da violência colonial e capitalista a partir da poética intelectual e serve até hoje como uma referência global de aproximação ao entendimento das outras histórias da América Latina, de territórios e populações oprimidas e estruturalmente violentadas.
Desafios e ações: as metodologias de uma escola livre de arte incentiva e provoca imaginários para os processos pedagógicos
Para um melhor entendimento sobre a educação artística alternativa do Centro Histórico de São Paulo e a partir de uma ocupação artística, damos uma leve atenção ao discurso hegemônico dos envolvidos nos processos de construção da cidade por meio da arquitetura e do urbanismo capitalista, setor este que pretende contemplar todas as áreas de negociação cultural ao serviço do turismo e do entretenimento cultural. Quando consideram temas como legado cultural, mobilidade urbana, sustentabilidade, economia criativa, inclusão social ou diversidade cultural, colocam referências mais afinadas às instituições oficiais e tradicionais; ou seja, consideram o Teatro Municipal, o Mercado Municipal, a Pinacoteca, palácios e prédios tombados, como o dos Correios, entre outros elementos patrimoniais, e, nessa lógica, pretendem a museificação das diversas expressões autônomas e contraculturais que surgem e coabitam na cidade.
Dentro da Ocupação Ouvidor surgem metodologias pedagógicas baseadas na experimentação prática, no trabalho colaborativo e no consentimento mútuo, e tais práticas são possíveis pelas relações sociais horizontais e pelas lógicas de organização sociocultural opostas às do capitalismo global. Entre os desdobramentos, resultados e efeitos dessas metodologias conseguimos registrar diversas ações que podem representar em fatos as reflexões e as metodologias da escola livre de arte, algumas das quais apresento a seguir.

Reforma do Teatro La Mimo durante a pandemia, entre 2020 e 2021. Fotos: Sara Soares.
O processo de reforma do Teatro La Mimo, na Ocupação Ouvidor 63, realizado no contexto do período pandêmico, foi um momento de aprendizado coletivo entre artistas de circo. Esse processo consistiu em estudos práticos sobre desenho e construção de estruturas metálicas. O espaço está a cargo do coletivo 612 Circus que, formado por artistas viajantes e de diversos países da América do Sul, mantém um espaço onde artistas de diversas linguagens podem experimentar e aprender outros ofícios relacionados com a transformação da matéria, ou de novas linguagens artísticas.



Processo de criação do cartaz no Laboratório do 10º andar, 2022. Fotos: acervo Marginalia.
Participei da organização e do processo de pesquisa e criação do cartaz do evento “Re-Okupe-Formas”, uma ação precedente do que seria o projeto Galeria Marginalia. Realizamos estudos sobre história da arte e do design e tomando algumas referências estéticas para resolver um cartaz de forma artesanal desde a fotografia, até a montagem, o conceito e a edição.

Instalação “Não foi o gato” e Bryan Meza no 10° andar, 2021. Foto: acervo Bryan Meza.
Obra “Não foi o gato!”
Homenagem às vítimas do incêndio do edifício Wilton Paes de Almeida que, em 2018, sofreu um desabamento por incêndio, supostamente por causa de um “gato elétrico”. A obra é uma sinergia criativa entre arte e a memória social urbana, é a criatividade imersa num contexto de luta por moradia digna e por acesso à cultura no Centro Histórico de São Paulo, que aborda a luta das ocupações em São Paulo e a partir da análise do processo de idealização, materialização e exibição, atravessamos as referências históricas e culturais que sustentam a narrativa da obra.
É uma instalação interativa de luminárias, de 3 metros x 4 metros, com fiações visíveis e interruptores que permitem que o público participe, acendendo e apagando as luzes, refletindo sobre o direito à cidade, à cultura e à moradia digna a partir de um dispositivo elaborado com materiais reciclados de eletricidade básica. Além disso, a presença de um extintor de incêndio e uma grade na obra sublinham a precariedade das condições de segurança nas ocupações e, ao mesmo tempo, evidenciam a preocupação, o trabalho e a autonomia das populações e comunidades que habitam e transitam nessas realidades marginalizadas e marginais.
Foi produzida em 2021, após um processo de pesquisa sobre o movimento de luta por moradia em São Paulo. Naquele ano, tínhamos iniciado a parceria com a EFLCH-UNIFESP por meio do Laboratório de Curadoria e Mediação (Lab 3), que consistiu na visita, em vivências e atividades de estudantes e professores junto a artistas, coletivos e projetos que habitam o espaço Ouvidor 63. No mesmo ano, atravessamos o período pandêmico, sem poder fugir do impacto que teve em nível global e o adoecimento social sistemático pela irresponsabilidade de governos e a falta de alternativas médicas e de recreação social. Nesse processo, já falávamos sobre a memória das vítimas da pandemia, que foi um insumo substancial da criação da obra: a memória de vítimas vulneráveis e a memória das responsabilidades e da busca de justiça, a partir da demanda que fazemos parte, do direito à moradia ao direito à cidade, e do direito de acessos às artes até o direito à memória.
A obra foi apresentada e exibida em 2021, na 3ª Bienal de Artes Ouvidor 63, e em 2024, no 4º andar da Ocupação Ouvidor 63. Ambas as experiências atraíram a atenção da comunidade de artistas que habitam o espaço e de visitantes, fazendo parte da programação cultural da Ouvidor 63, influenciando trabalhos acadêmicos e pesquisas subsequentes, compondo o acervo e a memória que é gerada e mantida dentro da comunidade Ouvidor 63.


“Não foi o gato”, 10º andar, 2021. Fotos: acervo Bryan Meza.

“Não foi o gato”, 4º andar, 2024. Foto: Bryan Meza
Por que não foi o gato?
A obra começa a ser idealizada a partir das vivências cotidianas nas condições estruturais do prédio que estavam (como quase sempre) no processo de reformas e melhorias, no que se refere ao sistema elétrico geral. Me envolvi na identificação de diversos riscos que poderíamos atender e resolver, fazendo diagnósticos e vistorias internas para alcançar as demandas com maior efetividade e transcendência, e foi assim que surgiram oficinas, reuniões, mutirões, entre outras ações que seriam as geradoras, precedentes e referências da obra.
Os mutirões são um princípio elementar dentro do funcionamento, e a auto-organização da Ouvidor 63 consegue dinamizar os espaços e os ocupantes, gerar transformações nos espaços, propor novas maneiras de distribuir e formular as funções sociais do prédio, estimular a geração de recursos para investimento em reformas em diversos níveis, desde concertos domésticos menores até reformas estruturais que envolvem o prédio inteiro, além disso, é uma ação política para resolver nossas necessidades convertendo a problemática em oportunidade no nível pessoal, com aprendizados e capacitações, e no nível espacial, com melhorias e otimização do uso dos espaços preservando o caráter coletivo e comunitário.
As oficinas foram iniciativas pensadas para manter o engajamento na continuação das reformas e manutenções no espaço, e é o espaço comum mais efetivo de transferência de conhecimentos, pois, a partir da autonomia e da disposição de ensinar e aprender coletivamente, por parte das pessoas e das coletividades que ocupam e habitam o prédio, elas evidenciam também a prática artística transdisciplinar e híbrida, ao integrar diversas artes e ofícios em prol de um objetivo em comum, como uma reforma ou uma obra.
As reuniões são os espaços deliberativos e de encontro das diversas coletividades, onde é possível articular propostas e iniciativas, dialogicamente, para atingir as necessidades identificadas. É um espaço soberano que representa a organização e gera acordos coletivos para, assim, informar eventos, como exposições, abrir discussões sobre assuntos como moradia digna, direito à cidade, e propor reivindicações e ressignificações a partir de nossas ações no prédio e na cidade. Por fim, é a evidência na prática do que é autonomia, que não necessita de uma estrutura rígida e imóvel; ao contrário, para que uma organização como a Ouvidor 63 funcione, é preciso que a autonomia gere essa flexibilidade complexa, essa itinerância poética. e o fluxo de vidas, vivências e saberes.


Trabalho realizado por Amanda Raiol na Revista MIRA no Lab 3 (EFLCH-UNIFESP), fazendo a releitura da obra “Não foi o gato”, 2021.
Conclusões pós-dicotomia: objeto de pesquisa-sujeito pesquisador
Durante o processo da minha pesquisa sobre educação autônoma e popular, exponho e represento neste texto a escola livre de arte, ora em Lima, ora em São Paulo, a partir do que presenciei, observei, gerei e participei em outras pesquisas e ações educativas, por meio de textos e trabalhos acadêmicos para os quais colaborei com entrevistas e, em alguns casos, acompanhei na formulação das dimensões conceituais, ou, prioritariamente, como agente ativo, assumindo a militância cultural com a responsabilidade de ser um organismo criador de imaginários, nas ações que busquem evidenciar os princípios e os fins do que poderia ser uma Escola Livre de Arte.
Com o intuito de contribuir para os processos que confrontam o capitalismo global a partir da pedagogia e das artes, é urgente e indispensável o entendimento da educação artística autônoma como ferramenta de reinvenção do mundo e de recriação coletiva de estruturas sociais e políticas. As escolas livres de arte estão inseridas nos processos individuais e coletivos que construíram outras lógicas às margens do capitalismo global, e um primeiro passo para a construção delas é nossa voz e nossa ação: criando, ensinando e aprendendo mutuamente, em comunidade e sem hierarquias, pois ainda temos muito conhecimento por conquistar, e com esse trabalho deixamos uma evidência disso.
Referências
BOLUARTE DOMINGUEZ, Jose; BOLUARTE NECOCHEA, Luis. COMAS: Reflexiones — Vision de Futuro. Lima: Biblioteca Nacional del Peru, 2014. p. 37-38
CALABRE, Lia et al. Seminário Internacional Políticas Culturais (8. : 2017 : Rio de Janeiro, RJ) Anais do VIII Seminário Internacional de Políticas Culturais, 23 a 26 de maio de 2017, Rio de Janeiro: Fundação Casa de Rui Barbosa, 2017. P. 295-306
COHEN, Renato. Performance como linguagem. São Paulo: Perspectiva, 2013.
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DE LA SOTTA CAMPOS, Rodrigo Pinto. Los discursos de los grupos de teatro de Lima Metropolitana en el período 2000-2012: el caso del Grupo de Teatro La Gran Marcha de los Muñecones. Trabajo Final de Métodos y Técnicas de Investigación 1. Pontificia Universidad Católica del Perú, Lima, 2012.
DE LA SOTTA CAMPOS, Rodrigo Pinto. Las corrientes teatrales influyentes en los lenguajes escénicos de los grupos de teatro de la periferia de Lima Metropolitana: el caso del Grupo de Teatro La Gran Marcha de los Muñecones. Trabajo Final de Seminario de Investigación 2. Pontificia Universidad Católica del Perú, Lima, 2014. p. 35 -44
DE LIMA, Larissa. A visão social e midiática das ocupações de São Paulo, ou um conto de duas cidades. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Jornalismo) — Faculdades Metropolitanas Unidas (FMU), São Paulo, 2023.
FIORI ARANTES, Pedro (org.). Trajetórias em revolta: ensaios dos estudantes de pós-graduação em História da Arte da Unifesp. São Paulo: EFLCH-UNIFESP, 2023.
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GONZALES, Nuria et al. La Gran Marcha de los Muñecones: una experiencia estética. Trabajo Final de Estética y Comunicación — Facultad de Ciencia y Artes de la Comunicación, Pontificia Universidad Católica del Perú, Lima, 2012.
LAS ARTES, las ciencias, los pueblos originarios y los sótanos del mundo. Carta del Subcomandante Marcos para Juan Villoro Ruiz. Ejército Zapatista de Liberación Nacional. México, Feb. 2016.
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TEIXEIRA DOS SANTOS, André Luiz et al., org. Laboratório de projeto integrado e participativo para requalificação de cortiço.São Paulo: FAUUSP, 2002.
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VALENCIA, Beatriz F. Ocupa Ouvidor 63: o habitar a partir da produção de territórios artísticos populares no centro de São Paulo. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Arquitetura e Urbanismo) — Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2023.
VEITH, Maud. Rue Balanza. (http://maudveith.com/?page_id=276)
mais ensaios
Descubra Sobre Possíveis mundos Pós-Capitalistas

(
10 de jan. de 2023
)
Escola Livre de Arte:
Arte marginal, transdisciplinaridade e hibridizações artísticas a partir da ocupação artística Ouvidor 63 em São Paulo
Bryan Meza
Durante as últimas décadas, a educação artística dentro dos movimentos sociais na América Latina, e especificamente na luta por acesso à educação, cultura, arte e moradia digna nos países do Hemisfério Sul (Brasil-Peru), vem se consolidando como uma ferramenta de construção de imaginários coletivos e de estruturas sociais que se contrapõem às bases ideológicas que o capitalismo instaurou na educação e no imaginário social latinoamericano. Nesse percurso, vem surgindo uma escola livre de arte que, dentro dos movimentos sociais, participa como um ato político, a qual visa e evidencia que a formação autônoma das pessoas marginalizadas, periféricas e imigrantes consegue uma profissionalização artística que cria novos circuitos de arte e cultura. Apresenta-se assim um modelo possível de educação artística, à margem da política pública hegemônica, que visa a construção de novos paradigmas para a educação artística, que seja acessível, viável, decolonial e para um estudo objetivo da realidade a partir da vivência, de ações, processos e produções criativas e coletivas.
Este ensaio busca identificar processos desses espaços-experiências de educação artística dentro dos movimentos sociais e de outras redes de intercâmbio cultural e artístico, em nível global, na luta por direito à cidade e pela autodeterminação dos povos na construção do mundo. O trabalho é sustentado pelas experiências pessoais, individuais e coletivas, e vivências no cotidiano do Centro Cultural Ocupação Ouvidor 63 em São Paulo, assim como pelo reconhecimento de outras experiências de educação artística autônoma a partir de meados do século 20 nos territórios do Hemisfério Sul e/ou como nomeado, pela cultura ocidental, Terceiro Mundo, com a finalidade de contribuir para o entendimento da formação artística autônoma como ferramenta de reinvenção do mundo e de recriação coletiva de estruturas sociais.
Introspecção que me leva a escrever um texto acadêmico
O processo de escrita de um trabalho acadêmico é um desafio para uma pessoa que vem de periferia, o contexto urbano em si não determina uma categoria intelectual. Há políticas públicas de educação aplicadas para as populações periféricas, porém, é necessário mencionar que o Brasil vem desenvolvendo, para o olhar do restante da América Latina, uma política de democratização da cultura como modelo a seguir. Uma das evidências é a Lei de Pontos de Cultura, que em julho de 2024 comemorou 20 anos de politica publica,. Atualmente, a Rede Cultura Viva é uma realidade, e consiste em um ambiente de interlocução interinstitucional e de estratégia política protagonizado pelos Pontos e Pontões de Cultura, pelo MinC, por gestores públicos dos entes federados, e por todas as instituições, entidades, grupos formais e informais e agentes culturais que são beneficiários dessata política pública (Reis e Souza Jr., 2016); o programa, -ou a políitica púublica Pontos de Cultura foi adquirindo diversos procedimentos e regulamentações em outros países de América Latina, sob o permanente risco de se converter em mais um programa governamental para aderir as organizações culturais às estruturas políticas hegemônicas, o que faz com que a cultura das periferias ainda tenham muito trabalho políitico que desenvolver, e é nessa situação que as condições e os contextos demandam de manifestações e ações contra-hegemônicas e autônomas, pois permite-se uma prática que a maioria dos governos pró-capitalistas nesses territórios, ora terceiro mundo, ora países em desenvolvimento, reproduzem: a falta de vontade política e a indiferença com respeito à educação das populações marginalizadas, e a consequente redução de oportunidades para a profissionalização e o trabalho digno, ou seja a subestimação da intelectualidade de quem nasce e cresce em periferias.

Cortejo na 15º FITECA no assentamento humano “El Madrigal”, 2016. Foto: Maud Veith.
Das minhas experiências no campo da pedagogia, anteriores e atuais, notei que é irrelevante utilizar alguns termos para se referir a quem ensina e a quem aprende, sobretudo quando o que começa a ser relevante é a prática e a vivência que prioriza o educando e não os educadores.
Na cidade de Lima, apóos 140 anos da chamada Independencia, surgiu uma ocupação de terras para moradia que a sociologia e a antropologia denominaram Desborde Popular (Matos Mar, 1984). Aos povoados formados apóos essa primeira ocupação de terras periféricas urbanas, oel estado burguês chamou de Barriada, Pueblo Joven, Asentamiento Humano, … Distrito (Boluarte, 2014). Assim que, com vontade de reconhecer a comunidade periférica como guia e orientador, reservo uma menção às minhas origens na militância cultural: existe um bairro chamado La Balanza, na parte alta da zona norte de Lima, capital do Peru, e, nesse bairro, está localizado o assentamento humano El Madrigal.
A política hegemônica dos governos criminalizam e insistem em visibilizar tais territórios e comunidades por meio dos altos índices de violência social, quando o fato é que são famílias migrantes ou deslocadas forçosamente de outros cantos da cidade e do país, na busca da construção de melhores qualidades de vida, as quais acabam sendo oferecidas pela propaganda capitalista, mas, nessa mesma lógica, a moradia digna das famílias não faz parte do esquema da planificação urbana da cidade que propõe a globalização capitalista. Em termos socio estratégicos, e em prejuízoperjuicios para das comunidades periféricas, o fim do século vinte foi o iníicio dao novao ordem unipolar ema níivel global por parte do capitalismo doe occidente e da América do nNorteamérica (Matos Mar, 2004)
Foi no El Madrigal que eu tive a oportunidade de conhecer pessoas com sonhos de tamanhos comparados à imensidão do céu, alegoricamente fazendo alusão à localização geográfica do bairro, na parte alta das montanhas da zona norte de Lima, que por sua vez fazem parte da cadeia de montanhas vinculadas à Cordilheira dos Andes. Essa comunidade me mostrou um horizonte de possibilidades que a pedagogia poderia permitir nas periferias, e uma delas foi conseguir, a cada final de verão, apresentar os resultados das oficinas de arte, em que prevalecia a prática do teatro e do circo, além de música e artes plásticas, e também a visibilidade e a articulação com outros espaços-experiências, tanto por meio das mídias sociais e da imprensa local como, principalmente, pelas nossas itinerâncias, que poderíamos associar com o caminho de Peabiru que indígenas da América do Sul fizeram para unir a Cordilheira dos Andes com o Oceano Atlântico, numa analogia de estar apresentando em São Paulo uma parte do movimento cultural/contracultural de Lima, cidade com costa no Oceano Pacifico. Mas ainda é complexo o entendimento dessas articulações, que atemporalmente estão integrando cultura das periferias, ancestralidade continental, educação pública e popular e as lutas por reivindicações sociais sobre moradia digna e educação popular.

16º FITECA, note-se que o cenário ocupa a rua (quadra a céu aberto), 2017.
Foto: Coletivo Somos Minka Audiovisual.


Reportagens em jornais visibilizando o bairro La Balanza. Fotos: acervo Bryan Meza.
O capitalismo conduz as massas periféricas para uma escravidão moderna. Nesse contexto, nós, filhos de famílias marginalizadas, com menos qualidade de vida, netos das migrantes de saíram do campo para a cidade em busca de progresso na capital, que acaba alienando-as nessa realidade hostil e discriminante, com essa carga de memória escrevemos, com essa insatisfação, quase dor, das vozes e culturas que foram e são invisibilizadas nos registros histórico-culturais propositalmente pelas instituições do capitalismo global, seja pelo sobrenome, seja pela condição econômica ou status social-intelectual, nós que ainda levamos um corpo ancestral sob opressão da colonização, estamos aqui, escrevendo livros, documentando nossas vozes para que algum dia ecoem no mundo inteiro e encontrem-se entre elas, por meio das nossas vidas viajantes do mundo.
Nessa viagem — sem retorno — me encontrei, morando e produzindo conhecimento numa das maiores cidades do mundo, permitindo que a minha sensorialidade seja manifestada num processo que resista à alienação da academia. Não foram cinco séculos de colonialismo, são todos os dias da nossas vidas que a política neoliberal apresenta essas condições para nossos povos e nossas populações. Ao escrever, deixo que meu sentir leve o sentir de meus parentes e ancestrais que foram silenciados para trabalhar, que trabalharam para não morrer, que não morreram para me dar a vida, e que nesse submetimento conseguiram cuidar dos que viriam depois, como eu, filho de mulher trabalhadora, neto de mulher trabalhadora e migrante que partiu da província de Ayacucho, zona registrada como origem do conflito interno peruano que, segundo o informe da Comissão da Verdade e Reconciliação (CVR) do Peru, deixou mais de 15.000 desaparecidos, 70.000 mortos e incontáveis casos de esterilizações forçadas aplicadas a indígenas para evitar o nascimento e o ressurgimento de uma população faminta de revolução e de justiça social. Posso viver para escrever hoje pelo maravilhoso fenômeno humano de migrar, essa mágica prática de ser nômade e se arriscar a deslocar-se em busca de uma outra vida, em agradecimento ao sangue das minhas mães, deixo o meu sangue à disposição das vidas que, assim como nós, virão buscar outra vida, uma vida sem opressão do capital.
Nós, vidas rebeldes que atuam permanentemente, espalhados pelo mundo inteiro, e nossos modos de vida e de educação um dia se articularão para forjar um outro mundo onde crianças e mulheres possam nascer e crescer sem medo (Subcomandante Marcos, 2016).
Colaboro com esses retornos ao campo da pesquisa a partir de vivências e reflexões, como artista marginal periférico e itinerante, imerso num território intelectual de acesso restrito como o presente projeto de pesquisa, apresentando uma visão do que é viver a arte como agente de transformação social, atravessando dimensões conceituais da educação artística, argumentos e referências da luta por moradia e cultura, e pelo direito à cidade, para reinvenção da vida na contemporaneidade.
Transcrevo vivências e experiências próprias e coletivas. Proponho que os princípios estejam no fim, e, no caso apresentado, trata-se da identificação e da criação de espaços de ensino e aprendizado contra-hegemônico em resposta à mercadoria acadêmica que o capitalismo global impõe permanentemente.
A educação artística como ato político-cultural
Como é possível que menores de periferia conseguem ter acesso às artes por meio de oficinas gratuitas sem ser condicionados para poder participar, ou que podem esses mesmos menores e suas famílias assistir apresentações artísticas de música, circo e teatro na rua, no parque ou na quadra do bairro, e que essas obras que assistem foram produzidas também por grupos artísticos de bairros periféricos?
Diversos grupos como esses já circulam seu trabalho por diversos países e, assim, nesse percurso de viagens e trocas, conseguem trazer outras técnicas-tecnologias, conhecimentos e ideias sobre as artes e a identidade cultural a partir de uma prática artística. Nessa dimensão social-cultural atuam duas organizações com as quais trabalhei de perto: a primeira foi o grupo de teatro La Gran Marcha de los Muñecones, uma das refrencias do tearo pópular das periferias do Lima e do Peru, e que representa em parte a influencia do teatro do oprimido de Augusto Boal e do tercer teatro, que propoe Eugenio Barba e o Odin teatre (De la Sotta, 2014), o grupo que desde o início dos anos 2000 promove uma escola de arte durante o verão no próprio bairro, e desde 2002 organiza, em conjunto com outros grupos artísticos locais, um dos maiores festivais de teatro em espaço aberto da América Latina — o Festival FITECA, na zona de La Balanza, em Comas, distrito da periferia norte de Lima; e a segunda foi a Casa Cultural Luces en la Arena que, além de oferecer oficinas para menores do bairro desde 2012, vem organizando as Convenções de Circo de carácter internacional que a cada edição recebe mais de 100 artistas provenientes de diversos países, no bairro de Pachacutec, na zona noroeste de Lima — hoje uma das referências de Circo Social nas periferias de Lima, com 12 anos de atuação de forma autônoma e autogestionária. Essas experiências têm em comum também a apresentação de resultados dos processos formativos de crianças e adolescentes, da mesma forma como essas pessoas artistas-educadores chegam a se apresentar frente à comunidade: num palco lotado de público local.


Encerramento de duas oficinas de verão com crianças e adolescentes do bairro La Balanza, apresentando-se no mesmo palco do festival FITECA (2014 e 2016). Foto: acervo Bryan Meza.
Como é possível que artistas viajantes formen e criem uma nova geração de crianças itinerantes, que vão assimilando outras percepções da geopolítica, talvez mais autêntica, e sobretudo baseada no seu próprio percurso nômade?
Esses processos de educação desses menores não foram, nem são, enxergados por nenhum sistema educativo instaurado por algum governo, de qualquer que seja a orientação política. Assim acontece no Centro Cultural Ocupação Ouvidor 63, no centro histórico de São Paulo, onde você vê aquele menor que cresce viajando por diversos países e conhecendo artistas das mais diversas linguagens, e interioriza o respeito à diversidade; são crianças que reconhecem as diversidades com um olhar mais fraterno — e um tanto rebelde. Esse processo de criação de identidade, ao mesmo tempo em que se estuda, ou que se educa, é uma experiência única e incomparável com qualquer outra metodologia pedagógica das escolas tradicionais.
E dessas mesmas escolas livres saem artistas viajantes, que levam os princípios na prática, democratizando e gerando acessos às artes, fazendo parte desse espaço-experiência que é a escola livre de arte, tornando-a uma força política, quando localizada em um contexto de ativismo cultural ou espaços artísticos autônomos, podendo assim conseguir ser de interesse social. Embora sejam minorias ou comunidades itinerantes, descentralizadas ou temporais, esses espaços-experiências vão diminuindo o alcance das instituições ao serviço da indústria do capital e permitem imaginar ativamente um mundo onde caibam muitos mundos.
Transcrever a nossa própria experiência na busca de aportar ao desenvolvimento científico da sociedade é um estímulo para a preservação da memória, e é desse lugar da memória que surgem as utopias reais que estamos transcrevendo.
Escola Livre de Arte, foi o nome de uma experiência no centro histórico de Lima, que permitiu evidenciar uma necessidade das escolas oficiais de arte daquela localidade. A prática artística desde a experimentação autônoma no espaço permitia o intercâmbio de conhecimentos a partir da práxis, e na arte pode-se pensar que artistas criando ensinam tanto ou mais que educadores ensinando a criar. Foram os laboratórios que me levaram a imaginar novas metodologias de ensino.

ELA, Lima, 2019. Foto: Arturo Diaz.
Numa oportunidade, organizamos um evento intitulado Indagar, em que três artistas plásticos e visuais residentes da ELA apresentariam suas obras mediante performances, ou seja, mergulhando nas artes cênicas a partir das artes plásticas. Participaram dessa experiência os artistas Cristo Ramos e Yalo Sabes, apresentando seus processos criativos com a montagem de uma cenografia e o processo de produção como performance, e o coletivo Nervio apresentou uma ação com a fusão de música, rap, grafite e pintura, e foi uma das experiências que me incentivaram e deixaram encaminhadas em mim algumas ideias para o que seria, alguns anos depois, a Galeria Neon do projeto Marginalia na Ocupação Ouvidor 63 e no campus da EFLCH-UNIFESP. Mas, até chegar nesse ponto, durante esse período realizamos laboratórios Neon no 10º andar, chamados também de Indagar; foram em torno de nove edições, entre 2022 e 2023.

Indagar vol. 1, realizado na ELA, Lima, 2019. Design do cartaz: Jair Uzziel.


Indagar vol.8, Laboratório de Arte Neon no 10º andar da Ouvidor 63 (2022-2023). Desenho do cartaz e foto: Bryan Meza.
Como continuação de experiências de ensino na periferia norte de Lima, embora eu ainda estivesse morando no centro histórico da cidade, surge o projeto Escola de Circo Integral “Circomas” — palavra criada a partir de circo e o nome do distrito, Comas. Entre 2017 e 2019, no período de verão, participei da equipe de gestão e organização das aulas de circo para crianças, jovens e adultos, realizadas na praça principal do distrito. Acompanhamos durante o ano inteiro os avanços das participantes mediante encontros de treinamento aberto que realizamos no espaço, elaboramos certificados de participação, que eram entregues no final do verão, e que acabaram sendo simbolicamente um fator importante para o autorreconhecimento e a valorização da educação autônoma à margem das instituições e suas formalidades, pois havíamos encontrado a nossa própria formalidade, e essa seria nossa contribuição para a criação de mais espaços-experiências de circo, e mais espaços de arte nas periferias, justificando essa demanda com os resultados que as participantes apresentavam durante cada mostra, no final do verão, afirmando que não é suficiente o talento com o qual a pessoa nasce, mas é de constância e estudo que precisamos para a conquista do conhecimento.

Escola de Circo Integral Circomas, mostra de resultados 2019. Foto: acervo Circomas.
Toda vivência tem alguma consequência, e cada experiência se transforma em conhecimento. Com essa premissa, surge “El Norte es mi Centro”. Comas: Activismo Cultural y Contracultural en los últimos 10 anos, que seria a última ação que realizei em Lima. Trata-se de uma apresentação de minha leitura crítica do período entre 2009 e 2019, foi a oportunidade de identificar as potencialidades e as ameaças dos movimentos culturais periféricos, a partir da minha militância cultural, e assim contribuir com o entendimento e a construção do movimento cultural das periferias da zona norte de Lima. Alguns dias depois estava rumo a São Paulo.

Cartaz com foto de um participante das oficinas de arte no bairro La Balanza. Lima 2019. Desenho: El Paradero Cultural. Foto: Janio Eleoseo.
Educação artística decolonial
A experiência dentro da Ocupação Ouvidor 63 provoca o distanciamento da prática artística dos patrões construídos pelo circuitos oficiais de arte, e, não apenas em São Paulo, mas como um fenômeno cultural das capitais ou grandes metrópoles do mundo, desenvolvemos práticas de criação coletiva e autossustentabilidade comunitária mediante o aprendizado que acontece na vida cotidiana da Ouvidor 63. Assim, partindo de alguns princípios como o conceito de que toda pessoa é artista e criadora, começamos a ressignificar o conceito da Arte.
Como podemos desenvolver novos paradigmas na educação artística a partir da experiência da militância no movimento das ocupações artísticas?
Alguns dos fatores que confrontamos são a metodologia de ensino em artes, o estudo da história da arte e os critérios que a universidade ou as escolas oficiais de arte utilizam, e como tais instituições enxergam a construção da cidade e seus acessos aos bens culturais, a especulação no mercado de arte assim como no mercado imobiliário ou na mercadoria acadêmica, a estrutura de violência institucionalizada nos diversos setores socioculturais, entre outras condições que permanentemente temos que evidenciar, reconhecer e superar, na busca de novos paradigmas para a educação em artes e a democratização dos conhecimentos científicos na contemporaneidade.
Ao perceber como esses e muitos outros espaços-experiência onde menores ou pessoas em processo de formação artística ou de outros ofícios são reflexos de nós mesmos na busca por aprender ensinando, ou por saber fazendo, além de qualquer categoria ou condição prévia, evidencia-se a necessidade de conhecimentos a partir da experimentação. Com isso, começo a enxergar meu próprio processo como objeto de pesquisa, minhas experiências como evidências do assunto a tratar, focando a análise de como vem funcionando a educação artística em nós mesmos, nos espaços de onde nós viemos e onde atuamos, num processo de descolonização e de emancipação de padrões acadêmicos hegemônicos.
Educação livre e artística é insurgente, não há escolha quando se decide percorrer um caminho oposto às pretensões do capitalismo global, sobretudo nos países do Hemisfério Sul, onde as práticas predatórias de saberes ancestrais vêm sendo intensificadas desde a institucionalização dos movimentos culturais, e às vezes também sugam e alienam práticas da contracultura. Assim, então, nosso território de luta é o imaginário (e a memória), a cultura de bem viver frente à cultura de massas do capital, nossas identidades diversas frente à padronização da vida. A educação artística é, aos poucos, um dos pilares da construção do mundo, de imaginários e de memória, foi antes e será depois. Nossa função, ao desenvolver essa pesquisa, é afirmar que é urgente combater de frente a neocolonialidade que existe nas instituições de ensino em artes, barrando as paredes e quebrando cadeados e correntes com o grito de rebeldia de quem está construindo-recuperando aos poucos seus conhecimentos e sua identidade.
Narrativas híbridas e cidades rebeldes
Trata-se de análise, síntese e interpretação de múltiplas dimensões conceituais com fundamentos e princípios similares ou potencialmente complementares, visando a resignificação de argumentos produzidos com métodos convencionais e em prol da criação de novos paradigmas para a teoria e a sistematização de experiências sociais e culturais, ou seja humanas.
O método da presente pesquisa utiliza ferramentas não literárias para estruturar a narrativa, é a consequência de uma prática, e do processo de observação de nossa própria participação na ação em análise surgem as primeiras evidências da narrativa híbrida, alguma característica que será identificada desde o começo da pesquisa.
Quando algumas singularidades encontram um fio condutor que as integra numa expressão literária, aparecem os primeiros gráficos, leituras e releituras, interpretações artificiais e imaginativamente ativas. Assim, a normativa literária começará a ser ressignificada e representada nas linguagens possíveis, e também nas que não sejam.
A narrativa híbrida apresentada neste ensaio atravessou três caminhos para chegar a sua realização: o estudo do livro Cidades Rebeldes (David Harvey, 2014), o projeto de intervenção urbana Motor Humano, e a minha moradia artística no Centro Cultural Ocupação Ouvidor 63. Durante uma análise prática e teórica de tais caminhos em simultâneo fomos adquirindo alguns detonantes conceituais e metodologias experimentais, criativas e comunicativas para contribuir para o estudo do movimento de ocupações artísticas.
O primeiro, esclarecendo que a ordem não determina sua relevância ou hierarquia, é o livro Cidades Rebeldes, de David Harvey. Essa possibilidade de localizar numa leitura acadêmica uma crítica ao capitalismo num contexto capitalista, e algumas descrições e observações da globalização urbana que contribui e provoca sentir-se identificado, estimula a continuar na linha de estudo sobre a realidade urbana global. E em relação à força revolucionária das populações que lutam pelo direito à cidade, o livro traz informações e opinião, abre o diálogo e os intercâmbios de conhecimentos entre comunidades de diversos territórios e gerações, permite a possibilidade de mergulhar no pensamento crítico global anticapitalista, além de buscar outros acessos no estudo e na análise dos fenômenos sociais provocados pela industrialização e pela urbanização globalizada.

Intervenção no Centro Histórico de São Paulo, 2024. Foto: Camila Quesada.
O segundo, e na minha posição de criador uma das mais importantes de processo prévio a esta pesquisa, na minha vivência artística, urbana e de protesto, trata-se do laboratório de intervenções urbanas do projeto Motor Humano, que pode evidenciar como práticas urbanas geradas pela globalização acabam resistindo e se colocando em oposição ao sentido do capitalismo globalizado urbano; ou seja, que é possível descrever uma prática a partir da visão linear do tempo, mas o que resulta mais substancial é sua existência atemporal, a transgressão à temporalidade da globalização urbana, o resgate de práticas culturais através do tempo hegemônico que as apaga ou distorce, a visibilização da precariedade não romantizada, e, sobretudo, a redução da vida social artificial que mergulha nas veias de nossos territórios urbanos. Ficam sinais desafiantes das instituições ao serviço do capital que buscam aderir, acompanhar, alinhar e, por fim, extinguir nossos imaginários de vida digna nas cidades, afirmando assim que a voz de quem não pode falar ficará com mais impacto nos ouvintes capitalistas (ouvidos do capital).
Ações do Motor Humano no Centro Histórico de São Paulo, 2024. Foto: (esq.) Tamyris Soares, (dir.) Bryan Meza.
O projeto Motor Humano é uma experiência itinerante, um laboratório de intervenções urbanas a partir da criação de bicicletas gigantes com peças em desuso, que atualmente articula artistas e espaços culturais entre a América Latina e a Europa, propõe novos protagonismos para recuperar a cidade mediante o protesto estético e confrontativo ao sistema de automobilização urbano. O projeto atua com a missão de revolucionar os imaginários urbanos além de despertá-los, e quando as bicicletas gigantes percorrem a cidade algo acontece nessas ruas: motoristas, pedestres e nós, criando juntos artifícios anticapitalistas, integrados numa narrativa difícil de transcrever, mas o trabalho aqui pretende desenvolver essa tarefa, e acredito que é possível.

Construção de bike no atelier do Motor Humano, localizado na garagem de Ouvidor 63. Foto: Rafael Botas.
O terceiro é minha militância como ocupante na Ouvidor 63, moradia artística e um novo paradigma na luta social. A comunidade em análise compõe comunidades diversas, individualidades rebeldes ao padrão de relação capitalista, no econômico-político, no educativo-intelectual ou cultural-espiritual. Aqui a vida em comunidade permite expandir suas referências sensoriais, afirmar que nada está fixo nem fixado no espaço, que os espaços-experiências estão vivos, em movimento constante, e ainda parecem cada vez mais autossustentáveis. Por meio de laboratórios mantêm-se a criação e a reinvenção da vida. Morar numa ocupação artística como Ouvidor 63 é estudar a vida a partir das artes e evidenciar que é possível melhorar a qualidade de vida a partir da educação artística.
Os métodos didáticos aplicados em espaços-experiências autônomos precisam de laços humanos e sinergias espontâneas-orgânicas e começam a se manifestar de várias formas uma vez que a prática às vezes não é falada nem descrita, e na maioria das vezes nem transcrita. Então, como explicar para as próximas gerações de ocupantes e pesquisadores o que é desenvolver em simultâneo uma pesquisa e ocupar artisticamente?



A moradia artística na Ouvidor 63 é uma escola de artes e ofícios. Fotos: acervo Bryan Meza.
São esses três caminhos que atravessarei coletando fragmentos vivos, que criarão permanentemente conclusões e releituras dessas experiências.
Narrativas híbridas é proposta como uma apresentação parcial da metodologia de pesquisa, que pode ser reproduzida, questionada, modificada ou ignorada, mas que representa o mais próximo de uma explicação literária da minha prática e militância. Na busca por metodologias que enxergam práticas de arte marginal ou transdisciplinar fui me sentindo disposto a falar e arriscar, assim, a transcendência de meu lugar de fala é acreditar e imaginar, e confesso que minhas dúvidas e meus desconhecimentos estão presentes neste e em outros processos de pesquisa.
Quais seriam as características de uma Escola Livre a partir dessas referências?
Ensino in-formal e comunitário
Um dos principais fatores que identificamos é a acessibilidade, a diversidade e construção do “comum”, a não necessidade de instaurar condições para participar de um espaço-experiência de aprendizagem autônomo, e que a pedagogia de caracter comunitario evita reproduzir ou reutilizar aquelas metodologias que são aplicadas nas escolas de arte convencionais que homogenizam e alienam a estudantes e aprendizes
Processos criativos e colaborativos
O aprendizado autônomo e a autogestão de conhecimento, quando não está ao serviço dos padrões do capitalismo que se foca no produto e o valor de mercado, permite que sejam os processos as principais evidências do aprendizado nessas escolas, e não as produções estéticas ou os serviços capacitistas. Somente mediante o intercâmbio de conhecimentos convertem esses processos em práticas colaborativas que cultivam nos artistas em formação um método para contribuir com a educação artística autônoma.
Formação de agentes contraculturais e a construção de identidade
O aprendizado nas escolas livres cria agentes mediadores e transmissores de informações, da mesma forma que os espaços de formação formais-tradicionais, mas com a finalidade de reivindicar as diversidades culturais e artísticas, forjando uma identidade própria baseada na diversidade que confronte o capitalismo global a partir do pensamento, do imaginário, da memória e da prática.
Resistência política e a promoção da cultura popular
O impacto da relação entre a educação e o território se evidencia fora dos espaços de ensino. Uma escola livre num território reconhece a arte como uma dimensão que enxerga todas as áreas do conhecimento; ou seja, não especificamente as atividades artísticas, mas sim as atividades criadoras, criativas e comuns, e em diálogo com as populações que habitam no território. A defesa das culturas periféricas implica ações propositivas que impactam nas políticas públicas, fazendo destas uma política comum. Nesse sentido, o imaginário social vira política local quando a comunidade, marginal ou periférica, compreende que as estruturas são um meio à disposição da luta, e não como finalidade do movimento cultural da comunidade.
As escolas livres de arte: diálogos entre a educação artística e os movimentos sociais
É possível fazer uma breve análise de como é desenvolvida a educação artística nas ocupações artísticas a partir da identificação de algumas experiências de educação contra-hegemônica, localizadas dentro dos movimentos sociais no campo e nas cidades, reconhecendo-as como uma educação que pretende enfrentar o capitalismo a partir de um fator substancial que é a autodeterminação para nossa força de trabalho, e que avança e prolifera uma demanda acompanhada de propostas de educação alternativa, inclusiva e criativa, consciente da justiça social. Contudo, trata-se de uma intersecção entre artistas sociais com a luta das pessoas trabalhadoras: a luta por moradia digna, e por arte, cultura, educação e pelo direito à cidade.
O período que abordamos aqui será a partir de meados do século vinte, período em que surgiram espaços-experiências que visavam a expansão desses outros métodos pedagógicos e de criação artística, de uma educação mais inclusiva, solidária e autônoma, dentre os quais destacam-se os seguintes:
O MST com as Escolas Itinerantes cria uma referência consistente para entendimento da educação em comunidade, e como reparação histórica, no estudo sobre a educação nesses espaços-experiências, evidenciamos a militância de trabalhadoras, educadoras, camponesas e artistas itinerantes nas últimas décadas.
Na construção da identidade latinoamericana, a partir das revoluções que aconteceram, será pertinente reconhecer a influência da revolução cubana, com seus programas de comunicação, propaganda e arte gráfica e pelo incentivo às artes, as quais seriam um meio de articulação entre América Latina e os povos da África e da Ásia, que, durante o período da chamada guerra fria, foram chamadas de terceiro mundo pelo ocidente.
Posteriormente, das revoltas e reformas que aconteceram na América Latina, no campo e nas cidades, a luta pela reforma agrária tem sido transversal na história continental no último século. No Peru, considera-se uma referência histórico-política o caso da campanha Terra ou Morte, liderada por Hugo Blanco, que entre 1961 e 1963 promoveu grandes manifestações e a invasão de latifúndios no Sul do Peru, com o objetivo de expropriar as terras e realizar a reforma agrária.
Oswaldo Guayasamin, nascido em Quito, Equador, alcançou impactos em nível continental, sendo referência até hoje para novas tendências na pintura expressionista de origem indígena, recebeu em 1957 o Prêmio de Melhor Pintor Sul-Americano, concedido pela Bienal de São Paulo, Brasil.
A visão da educação segundo Paulo Freire, conseguindo que trabalhadores rurais aprendessem pelo método baseado no diálogo crítico, e que propôs, no início dos anos 1960, que a palavra podia deixar de ser o veículo das ideologias alienantes para tornar-se o instrumento de uma transformação da sociedade.
Nas artes cênicas, é criado o teatro Oficina por estudantes da escola de Direito no Largo São Francisco em São Paulo, em 1958. E, alguns anos depois, no contexto da oposição à guerra do Vietnã, surge o grupo Bread & Puppet, em que Elka e Peter Schumann, procurando oportunidades de se desenvolverem como educadores, criam um teatro de marionetes, com obras para a rua que abordam, a partir de um olhar crítico, diversos temas como ecologia, capitalismo, militarismo, políticas sociais e urbanas.
Em Chiapas, México, a partir de 2000, o movimento zapatista desenvolveu o que chama de a outra educação, que são escolas criadas pelos zapatistas onde estudantes conservam a língua originária e o permanente olhar para o seu contexto. A educação zapatista está baseada numa relação de harmonia com o ambiente social e natural, mantendo a autonomia e a liberdade como princípio, e a crítica para a educação oficial.
Na literatura latinoamericana, a obra informativa e poética de Eduardo Galeano conserva a chave para o despertar da insurgência literária. Ele compõe a narrativa histórica da violência colonial e capitalista a partir da poética intelectual e serve até hoje como uma referência global de aproximação ao entendimento das outras histórias da América Latina, de territórios e populações oprimidas e estruturalmente violentadas.
Desafios e ações: as metodologias de uma escola livre de arte incentiva e provoca imaginários para os processos pedagógicos
Para um melhor entendimento sobre a educação artística alternativa do Centro Histórico de São Paulo e a partir de uma ocupação artística, damos uma leve atenção ao discurso hegemônico dos envolvidos nos processos de construção da cidade por meio da arquitetura e do urbanismo capitalista, setor este que pretende contemplar todas as áreas de negociação cultural ao serviço do turismo e do entretenimento cultural. Quando consideram temas como legado cultural, mobilidade urbana, sustentabilidade, economia criativa, inclusão social ou diversidade cultural, colocam referências mais afinadas às instituições oficiais e tradicionais; ou seja, consideram o Teatro Municipal, o Mercado Municipal, a Pinacoteca, palácios e prédios tombados, como o dos Correios, entre outros elementos patrimoniais, e, nessa lógica, pretendem a museificação das diversas expressões autônomas e contraculturais que surgem e coabitam na cidade.
Dentro da Ocupação Ouvidor surgem metodologias pedagógicas baseadas na experimentação prática, no trabalho colaborativo e no consentimento mútuo, e tais práticas são possíveis pelas relações sociais horizontais e pelas lógicas de organização sociocultural opostas às do capitalismo global. Entre os desdobramentos, resultados e efeitos dessas metodologias conseguimos registrar diversas ações que podem representar em fatos as reflexões e as metodologias da escola livre de arte, algumas das quais apresento a seguir.

Reforma do Teatro La Mimo durante a pandemia, entre 2020 e 2021. Fotos: Sara Soares.
O processo de reforma do Teatro La Mimo, na Ocupação Ouvidor 63, realizado no contexto do período pandêmico, foi um momento de aprendizado coletivo entre artistas de circo. Esse processo consistiu em estudos práticos sobre desenho e construção de estruturas metálicas. O espaço está a cargo do coletivo 612 Circus que, formado por artistas viajantes e de diversos países da América do Sul, mantém um espaço onde artistas de diversas linguagens podem experimentar e aprender outros ofícios relacionados com a transformação da matéria, ou de novas linguagens artísticas.



Processo de criação do cartaz no Laboratório do 10º andar, 2022. Fotos: acervo Marginalia.
Participei da organização e do processo de pesquisa e criação do cartaz do evento “Re-Okupe-Formas”, uma ação precedente do que seria o projeto Galeria Marginalia. Realizamos estudos sobre história da arte e do design e tomando algumas referências estéticas para resolver um cartaz de forma artesanal desde a fotografia, até a montagem, o conceito e a edição.

Instalação “Não foi o gato” e Bryan Meza no 10° andar, 2021. Foto: acervo Bryan Meza.
Obra “Não foi o gato!”
Homenagem às vítimas do incêndio do edifício Wilton Paes de Almeida que, em 2018, sofreu um desabamento por incêndio, supostamente por causa de um “gato elétrico”. A obra é uma sinergia criativa entre arte e a memória social urbana, é a criatividade imersa num contexto de luta por moradia digna e por acesso à cultura no Centro Histórico de São Paulo, que aborda a luta das ocupações em São Paulo e a partir da análise do processo de idealização, materialização e exibição, atravessamos as referências históricas e culturais que sustentam a narrativa da obra.
É uma instalação interativa de luminárias, de 3 metros x 4 metros, com fiações visíveis e interruptores que permitem que o público participe, acendendo e apagando as luzes, refletindo sobre o direito à cidade, à cultura e à moradia digna a partir de um dispositivo elaborado com materiais reciclados de eletricidade básica. Além disso, a presença de um extintor de incêndio e uma grade na obra sublinham a precariedade das condições de segurança nas ocupações e, ao mesmo tempo, evidenciam a preocupação, o trabalho e a autonomia das populações e comunidades que habitam e transitam nessas realidades marginalizadas e marginais.
Foi produzida em 2021, após um processo de pesquisa sobre o movimento de luta por moradia em São Paulo. Naquele ano, tínhamos iniciado a parceria com a EFLCH-UNIFESP por meio do Laboratório de Curadoria e Mediação (Lab 3), que consistiu na visita, em vivências e atividades de estudantes e professores junto a artistas, coletivos e projetos que habitam o espaço Ouvidor 63. No mesmo ano, atravessamos o período pandêmico, sem poder fugir do impacto que teve em nível global e o adoecimento social sistemático pela irresponsabilidade de governos e a falta de alternativas médicas e de recreação social. Nesse processo, já falávamos sobre a memória das vítimas da pandemia, que foi um insumo substancial da criação da obra: a memória de vítimas vulneráveis e a memória das responsabilidades e da busca de justiça, a partir da demanda que fazemos parte, do direito à moradia ao direito à cidade, e do direito de acessos às artes até o direito à memória.
A obra foi apresentada e exibida em 2021, na 3ª Bienal de Artes Ouvidor 63, e em 2024, no 4º andar da Ocupação Ouvidor 63. Ambas as experiências atraíram a atenção da comunidade de artistas que habitam o espaço e de visitantes, fazendo parte da programação cultural da Ouvidor 63, influenciando trabalhos acadêmicos e pesquisas subsequentes, compondo o acervo e a memória que é gerada e mantida dentro da comunidade Ouvidor 63.


“Não foi o gato”, 10º andar, 2021. Fotos: acervo Bryan Meza.

“Não foi o gato”, 4º andar, 2024. Foto: Bryan Meza
Por que não foi o gato?
A obra começa a ser idealizada a partir das vivências cotidianas nas condições estruturais do prédio que estavam (como quase sempre) no processo de reformas e melhorias, no que se refere ao sistema elétrico geral. Me envolvi na identificação de diversos riscos que poderíamos atender e resolver, fazendo diagnósticos e vistorias internas para alcançar as demandas com maior efetividade e transcendência, e foi assim que surgiram oficinas, reuniões, mutirões, entre outras ações que seriam as geradoras, precedentes e referências da obra.
Os mutirões são um princípio elementar dentro do funcionamento, e a auto-organização da Ouvidor 63 consegue dinamizar os espaços e os ocupantes, gerar transformações nos espaços, propor novas maneiras de distribuir e formular as funções sociais do prédio, estimular a geração de recursos para investimento em reformas em diversos níveis, desde concertos domésticos menores até reformas estruturais que envolvem o prédio inteiro, além disso, é uma ação política para resolver nossas necessidades convertendo a problemática em oportunidade no nível pessoal, com aprendizados e capacitações, e no nível espacial, com melhorias e otimização do uso dos espaços preservando o caráter coletivo e comunitário.
As oficinas foram iniciativas pensadas para manter o engajamento na continuação das reformas e manutenções no espaço, e é o espaço comum mais efetivo de transferência de conhecimentos, pois, a partir da autonomia e da disposição de ensinar e aprender coletivamente, por parte das pessoas e das coletividades que ocupam e habitam o prédio, elas evidenciam também a prática artística transdisciplinar e híbrida, ao integrar diversas artes e ofícios em prol de um objetivo em comum, como uma reforma ou uma obra.
As reuniões são os espaços deliberativos e de encontro das diversas coletividades, onde é possível articular propostas e iniciativas, dialogicamente, para atingir as necessidades identificadas. É um espaço soberano que representa a organização e gera acordos coletivos para, assim, informar eventos, como exposições, abrir discussões sobre assuntos como moradia digna, direito à cidade, e propor reivindicações e ressignificações a partir de nossas ações no prédio e na cidade. Por fim, é a evidência na prática do que é autonomia, que não necessita de uma estrutura rígida e imóvel; ao contrário, para que uma organização como a Ouvidor 63 funcione, é preciso que a autonomia gere essa flexibilidade complexa, essa itinerância poética. e o fluxo de vidas, vivências e saberes.


Trabalho realizado por Amanda Raiol na Revista MIRA no Lab 3 (EFLCH-UNIFESP), fazendo a releitura da obra “Não foi o gato”, 2021.
Conclusões pós-dicotomia: objeto de pesquisa-sujeito pesquisador
Durante o processo da minha pesquisa sobre educação autônoma e popular, exponho e represento neste texto a escola livre de arte, ora em Lima, ora em São Paulo, a partir do que presenciei, observei, gerei e participei em outras pesquisas e ações educativas, por meio de textos e trabalhos acadêmicos para os quais colaborei com entrevistas e, em alguns casos, acompanhei na formulação das dimensões conceituais, ou, prioritariamente, como agente ativo, assumindo a militância cultural com a responsabilidade de ser um organismo criador de imaginários, nas ações que busquem evidenciar os princípios e os fins do que poderia ser uma Escola Livre de Arte.
Com o intuito de contribuir para os processos que confrontam o capitalismo global a partir da pedagogia e das artes, é urgente e indispensável o entendimento da educação artística autônoma como ferramenta de reinvenção do mundo e de recriação coletiva de estruturas sociais e políticas. As escolas livres de arte estão inseridas nos processos individuais e coletivos que construíram outras lógicas às margens do capitalismo global, e um primeiro passo para a construção delas é nossa voz e nossa ação: criando, ensinando e aprendendo mutuamente, em comunidade e sem hierarquias, pois ainda temos muito conhecimento por conquistar, e com esse trabalho deixamos uma evidência disso.
Referências
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COHEN, Renato. Performance como linguagem. São Paulo: Perspectiva, 2013.
DAVID, Harvey. Cidades Rebeldes: do direito à cidade à revolução urbana. Tradução de Jeferson Camargo. São Paulo: Martins Fontes, 2014.
DE LA SOTTA CAMPOS, Rodrigo Pinto. Los discursos de los grupos de teatro de Lima Metropolitana en el período 2000-2012: el caso del Grupo de Teatro La Gran Marcha de los Muñecones. Trabajo Final de Métodos y Técnicas de Investigación 1. Pontificia Universidad Católica del Perú, Lima, 2012.
DE LA SOTTA CAMPOS, Rodrigo Pinto. Las corrientes teatrales influyentes en los lenguajes escénicos de los grupos de teatro de la periferia de Lima Metropolitana: el caso del Grupo de Teatro La Gran Marcha de los Muñecones. Trabajo Final de Seminario de Investigación 2. Pontificia Universidad Católica del Perú, Lima, 2014. p. 35 -44
DE LIMA, Larissa. A visão social e midiática das ocupações de São Paulo, ou um conto de duas cidades. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Jornalismo) — Faculdades Metropolitanas Unidas (FMU), São Paulo, 2023.
FIORI ARANTES, Pedro (org.). Trajetórias em revolta: ensaios dos estudantes de pós-graduação em História da Arte da Unifesp. São Paulo: EFLCH-UNIFESP, 2023.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da indignação: cartas pedagógicas e outros escritos. Organização e participação de Ana Maria de Araujo Freire. 7. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2022.
GONZALES, Nuria et al. La Gran Marcha de los Muñecones: una experiencia estética. Trabajo Final de Estética y Comunicación — Facultad de Ciencia y Artes de la Comunicación, Pontificia Universidad Católica del Perú, Lima, 2012.
LAS ARTES, las ciencias, los pueblos originarios y los sótanos del mundo. Carta del Subcomandante Marcos para Juan Villoro Ruiz. Ejército Zapatista de Liberación Nacional. México, Feb. 2016.
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MATOS MAR, José. Desborde popular y crisis del estado, veinte anos después. Lima: Fondo Editorial del Congreso del Perú, 2004. p. 111-115
MERLADET URIGUEN, Silvia Helena. El método del Elefante: analisis de los procesos de participación en proyectos arquitectónicos de mejora, La Balanza, Lima. Escola Técnica Superior de Arquitectura de Madrid, Universidade Politécnica de Madrid, 2017.
TEIXEIRA DOS SANTOS, André Luiz et al., org. Laboratório de projeto integrado e participativo para requalificação de cortiço.São Paulo: FAUUSP, 2002.
URTEAGA, Jose. Motor Humano. Lima: Biblioteca Nacional del Peru, 2018.
VALENCIA, Beatriz F. Ocupa Ouvidor 63: o habitar a partir da produção de territórios artísticos populares no centro de São Paulo. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Arquitetura e Urbanismo) — Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2023.
VEITH, Maud. Rue Balanza. (http://maudveith.com/?page_id=276)
mais ensaios
Descubra Sobre Possíveis mundos Pós-Capitalistas

(
10 de jan. de 2023
)
Escola Livre de Arte:
Arte marginal, transdisciplinaridade e hibridizações artísticas a partir da ocupação artística Ouvidor 63 em São Paulo
Bryan Meza
Durante as últimas décadas, a educação artística dentro dos movimentos sociais na América Latina, e especificamente na luta por acesso à educação, cultura, arte e moradia digna nos países do Hemisfério Sul (Brasil-Peru), vem se consolidando como uma ferramenta de construção de imaginários coletivos e de estruturas sociais que se contrapõem às bases ideológicas que o capitalismo instaurou na educação e no imaginário social latinoamericano. Nesse percurso, vem surgindo uma escola livre de arte que, dentro dos movimentos sociais, participa como um ato político, a qual visa e evidencia que a formação autônoma das pessoas marginalizadas, periféricas e imigrantes consegue uma profissionalização artística que cria novos circuitos de arte e cultura. Apresenta-se assim um modelo possível de educação artística, à margem da política pública hegemônica, que visa a construção de novos paradigmas para a educação artística, que seja acessível, viável, decolonial e para um estudo objetivo da realidade a partir da vivência, de ações, processos e produções criativas e coletivas.
Este ensaio busca identificar processos desses espaços-experiências de educação artística dentro dos movimentos sociais e de outras redes de intercâmbio cultural e artístico, em nível global, na luta por direito à cidade e pela autodeterminação dos povos na construção do mundo. O trabalho é sustentado pelas experiências pessoais, individuais e coletivas, e vivências no cotidiano do Centro Cultural Ocupação Ouvidor 63 em São Paulo, assim como pelo reconhecimento de outras experiências de educação artística autônoma a partir de meados do século 20 nos territórios do Hemisfério Sul e/ou como nomeado, pela cultura ocidental, Terceiro Mundo, com a finalidade de contribuir para o entendimento da formação artística autônoma como ferramenta de reinvenção do mundo e de recriação coletiva de estruturas sociais.
Introspecção que me leva a escrever um texto acadêmico
O processo de escrita de um trabalho acadêmico é um desafio para uma pessoa que vem de periferia, o contexto urbano em si não determina uma categoria intelectual. Há políticas públicas de educação aplicadas para as populações periféricas, porém, é necessário mencionar que o Brasil vem desenvolvendo, para o olhar do restante da América Latina, uma política de democratização da cultura como modelo a seguir. Uma das evidências é a Lei de Pontos de Cultura, que em julho de 2024 comemorou 20 anos de politica publica,. Atualmente, a Rede Cultura Viva é uma realidade, e consiste em um ambiente de interlocução interinstitucional e de estratégia política protagonizado pelos Pontos e Pontões de Cultura, pelo MinC, por gestores públicos dos entes federados, e por todas as instituições, entidades, grupos formais e informais e agentes culturais que são beneficiários dessata política pública (Reis e Souza Jr., 2016); o programa, -ou a políitica púublica Pontos de Cultura foi adquirindo diversos procedimentos e regulamentações em outros países de América Latina, sob o permanente risco de se converter em mais um programa governamental para aderir as organizações culturais às estruturas políticas hegemônicas, o que faz com que a cultura das periferias ainda tenham muito trabalho políitico que desenvolver, e é nessa situação que as condições e os contextos demandam de manifestações e ações contra-hegemônicas e autônomas, pois permite-se uma prática que a maioria dos governos pró-capitalistas nesses territórios, ora terceiro mundo, ora países em desenvolvimento, reproduzem: a falta de vontade política e a indiferença com respeito à educação das populações marginalizadas, e a consequente redução de oportunidades para a profissionalização e o trabalho digno, ou seja a subestimação da intelectualidade de quem nasce e cresce em periferias.

Cortejo na 15º FITECA no assentamento humano “El Madrigal”, 2016. Foto: Maud Veith.
Das minhas experiências no campo da pedagogia, anteriores e atuais, notei que é irrelevante utilizar alguns termos para se referir a quem ensina e a quem aprende, sobretudo quando o que começa a ser relevante é a prática e a vivência que prioriza o educando e não os educadores.
Na cidade de Lima, apóos 140 anos da chamada Independencia, surgiu uma ocupação de terras para moradia que a sociologia e a antropologia denominaram Desborde Popular (Matos Mar, 1984). Aos povoados formados apóos essa primeira ocupação de terras periféricas urbanas, oel estado burguês chamou de Barriada, Pueblo Joven, Asentamiento Humano, … Distrito (Boluarte, 2014). Assim que, com vontade de reconhecer a comunidade periférica como guia e orientador, reservo uma menção às minhas origens na militância cultural: existe um bairro chamado La Balanza, na parte alta da zona norte de Lima, capital do Peru, e, nesse bairro, está localizado o assentamento humano El Madrigal.
A política hegemônica dos governos criminalizam e insistem em visibilizar tais territórios e comunidades por meio dos altos índices de violência social, quando o fato é que são famílias migrantes ou deslocadas forçosamente de outros cantos da cidade e do país, na busca da construção de melhores qualidades de vida, as quais acabam sendo oferecidas pela propaganda capitalista, mas, nessa mesma lógica, a moradia digna das famílias não faz parte do esquema da planificação urbana da cidade que propõe a globalização capitalista. Em termos socio estratégicos, e em prejuízoperjuicios para das comunidades periféricas, o fim do século vinte foi o iníicio dao novao ordem unipolar ema níivel global por parte do capitalismo doe occidente e da América do nNorteamérica (Matos Mar, 2004)
Foi no El Madrigal que eu tive a oportunidade de conhecer pessoas com sonhos de tamanhos comparados à imensidão do céu, alegoricamente fazendo alusão à localização geográfica do bairro, na parte alta das montanhas da zona norte de Lima, que por sua vez fazem parte da cadeia de montanhas vinculadas à Cordilheira dos Andes. Essa comunidade me mostrou um horizonte de possibilidades que a pedagogia poderia permitir nas periferias, e uma delas foi conseguir, a cada final de verão, apresentar os resultados das oficinas de arte, em que prevalecia a prática do teatro e do circo, além de música e artes plásticas, e também a visibilidade e a articulação com outros espaços-experiências, tanto por meio das mídias sociais e da imprensa local como, principalmente, pelas nossas itinerâncias, que poderíamos associar com o caminho de Peabiru que indígenas da América do Sul fizeram para unir a Cordilheira dos Andes com o Oceano Atlântico, numa analogia de estar apresentando em São Paulo uma parte do movimento cultural/contracultural de Lima, cidade com costa no Oceano Pacifico. Mas ainda é complexo o entendimento dessas articulações, que atemporalmente estão integrando cultura das periferias, ancestralidade continental, educação pública e popular e as lutas por reivindicações sociais sobre moradia digna e educação popular.

16º FITECA, note-se que o cenário ocupa a rua (quadra a céu aberto), 2017.
Foto: Coletivo Somos Minka Audiovisual.


Reportagens em jornais visibilizando o bairro La Balanza. Fotos: acervo Bryan Meza.
O capitalismo conduz as massas periféricas para uma escravidão moderna. Nesse contexto, nós, filhos de famílias marginalizadas, com menos qualidade de vida, netos das migrantes de saíram do campo para a cidade em busca de progresso na capital, que acaba alienando-as nessa realidade hostil e discriminante, com essa carga de memória escrevemos, com essa insatisfação, quase dor, das vozes e culturas que foram e são invisibilizadas nos registros histórico-culturais propositalmente pelas instituições do capitalismo global, seja pelo sobrenome, seja pela condição econômica ou status social-intelectual, nós que ainda levamos um corpo ancestral sob opressão da colonização, estamos aqui, escrevendo livros, documentando nossas vozes para que algum dia ecoem no mundo inteiro e encontrem-se entre elas, por meio das nossas vidas viajantes do mundo.
Nessa viagem — sem retorno — me encontrei, morando e produzindo conhecimento numa das maiores cidades do mundo, permitindo que a minha sensorialidade seja manifestada num processo que resista à alienação da academia. Não foram cinco séculos de colonialismo, são todos os dias da nossas vidas que a política neoliberal apresenta essas condições para nossos povos e nossas populações. Ao escrever, deixo que meu sentir leve o sentir de meus parentes e ancestrais que foram silenciados para trabalhar, que trabalharam para não morrer, que não morreram para me dar a vida, e que nesse submetimento conseguiram cuidar dos que viriam depois, como eu, filho de mulher trabalhadora, neto de mulher trabalhadora e migrante que partiu da província de Ayacucho, zona registrada como origem do conflito interno peruano que, segundo o informe da Comissão da Verdade e Reconciliação (CVR) do Peru, deixou mais de 15.000 desaparecidos, 70.000 mortos e incontáveis casos de esterilizações forçadas aplicadas a indígenas para evitar o nascimento e o ressurgimento de uma população faminta de revolução e de justiça social. Posso viver para escrever hoje pelo maravilhoso fenômeno humano de migrar, essa mágica prática de ser nômade e se arriscar a deslocar-se em busca de uma outra vida, em agradecimento ao sangue das minhas mães, deixo o meu sangue à disposição das vidas que, assim como nós, virão buscar outra vida, uma vida sem opressão do capital.
Nós, vidas rebeldes que atuam permanentemente, espalhados pelo mundo inteiro, e nossos modos de vida e de educação um dia se articularão para forjar um outro mundo onde crianças e mulheres possam nascer e crescer sem medo (Subcomandante Marcos, 2016).
Colaboro com esses retornos ao campo da pesquisa a partir de vivências e reflexões, como artista marginal periférico e itinerante, imerso num território intelectual de acesso restrito como o presente projeto de pesquisa, apresentando uma visão do que é viver a arte como agente de transformação social, atravessando dimensões conceituais da educação artística, argumentos e referências da luta por moradia e cultura, e pelo direito à cidade, para reinvenção da vida na contemporaneidade.
Transcrevo vivências e experiências próprias e coletivas. Proponho que os princípios estejam no fim, e, no caso apresentado, trata-se da identificação e da criação de espaços de ensino e aprendizado contra-hegemônico em resposta à mercadoria acadêmica que o capitalismo global impõe permanentemente.
A educação artística como ato político-cultural
Como é possível que menores de periferia conseguem ter acesso às artes por meio de oficinas gratuitas sem ser condicionados para poder participar, ou que podem esses mesmos menores e suas famílias assistir apresentações artísticas de música, circo e teatro na rua, no parque ou na quadra do bairro, e que essas obras que assistem foram produzidas também por grupos artísticos de bairros periféricos?
Diversos grupos como esses já circulam seu trabalho por diversos países e, assim, nesse percurso de viagens e trocas, conseguem trazer outras técnicas-tecnologias, conhecimentos e ideias sobre as artes e a identidade cultural a partir de uma prática artística. Nessa dimensão social-cultural atuam duas organizações com as quais trabalhei de perto: a primeira foi o grupo de teatro La Gran Marcha de los Muñecones, uma das refrencias do tearo pópular das periferias do Lima e do Peru, e que representa em parte a influencia do teatro do oprimido de Augusto Boal e do tercer teatro, que propoe Eugenio Barba e o Odin teatre (De la Sotta, 2014), o grupo que desde o início dos anos 2000 promove uma escola de arte durante o verão no próprio bairro, e desde 2002 organiza, em conjunto com outros grupos artísticos locais, um dos maiores festivais de teatro em espaço aberto da América Latina — o Festival FITECA, na zona de La Balanza, em Comas, distrito da periferia norte de Lima; e a segunda foi a Casa Cultural Luces en la Arena que, além de oferecer oficinas para menores do bairro desde 2012, vem organizando as Convenções de Circo de carácter internacional que a cada edição recebe mais de 100 artistas provenientes de diversos países, no bairro de Pachacutec, na zona noroeste de Lima — hoje uma das referências de Circo Social nas periferias de Lima, com 12 anos de atuação de forma autônoma e autogestionária. Essas experiências têm em comum também a apresentação de resultados dos processos formativos de crianças e adolescentes, da mesma forma como essas pessoas artistas-educadores chegam a se apresentar frente à comunidade: num palco lotado de público local.


Encerramento de duas oficinas de verão com crianças e adolescentes do bairro La Balanza, apresentando-se no mesmo palco do festival FITECA (2014 e 2016). Foto: acervo Bryan Meza.
Como é possível que artistas viajantes formen e criem uma nova geração de crianças itinerantes, que vão assimilando outras percepções da geopolítica, talvez mais autêntica, e sobretudo baseada no seu próprio percurso nômade?
Esses processos de educação desses menores não foram, nem são, enxergados por nenhum sistema educativo instaurado por algum governo, de qualquer que seja a orientação política. Assim acontece no Centro Cultural Ocupação Ouvidor 63, no centro histórico de São Paulo, onde você vê aquele menor que cresce viajando por diversos países e conhecendo artistas das mais diversas linguagens, e interioriza o respeito à diversidade; são crianças que reconhecem as diversidades com um olhar mais fraterno — e um tanto rebelde. Esse processo de criação de identidade, ao mesmo tempo em que se estuda, ou que se educa, é uma experiência única e incomparável com qualquer outra metodologia pedagógica das escolas tradicionais.
E dessas mesmas escolas livres saem artistas viajantes, que levam os princípios na prática, democratizando e gerando acessos às artes, fazendo parte desse espaço-experiência que é a escola livre de arte, tornando-a uma força política, quando localizada em um contexto de ativismo cultural ou espaços artísticos autônomos, podendo assim conseguir ser de interesse social. Embora sejam minorias ou comunidades itinerantes, descentralizadas ou temporais, esses espaços-experiências vão diminuindo o alcance das instituições ao serviço da indústria do capital e permitem imaginar ativamente um mundo onde caibam muitos mundos.
Transcrever a nossa própria experiência na busca de aportar ao desenvolvimento científico da sociedade é um estímulo para a preservação da memória, e é desse lugar da memória que surgem as utopias reais que estamos transcrevendo.
Escola Livre de Arte, foi o nome de uma experiência no centro histórico de Lima, que permitiu evidenciar uma necessidade das escolas oficiais de arte daquela localidade. A prática artística desde a experimentação autônoma no espaço permitia o intercâmbio de conhecimentos a partir da práxis, e na arte pode-se pensar que artistas criando ensinam tanto ou mais que educadores ensinando a criar. Foram os laboratórios que me levaram a imaginar novas metodologias de ensino.

ELA, Lima, 2019. Foto: Arturo Diaz.
Numa oportunidade, organizamos um evento intitulado Indagar, em que três artistas plásticos e visuais residentes da ELA apresentariam suas obras mediante performances, ou seja, mergulhando nas artes cênicas a partir das artes plásticas. Participaram dessa experiência os artistas Cristo Ramos e Yalo Sabes, apresentando seus processos criativos com a montagem de uma cenografia e o processo de produção como performance, e o coletivo Nervio apresentou uma ação com a fusão de música, rap, grafite e pintura, e foi uma das experiências que me incentivaram e deixaram encaminhadas em mim algumas ideias para o que seria, alguns anos depois, a Galeria Neon do projeto Marginalia na Ocupação Ouvidor 63 e no campus da EFLCH-UNIFESP. Mas, até chegar nesse ponto, durante esse período realizamos laboratórios Neon no 10º andar, chamados também de Indagar; foram em torno de nove edições, entre 2022 e 2023.

Indagar vol. 1, realizado na ELA, Lima, 2019. Design do cartaz: Jair Uzziel.


Indagar vol.8, Laboratório de Arte Neon no 10º andar da Ouvidor 63 (2022-2023). Desenho do cartaz e foto: Bryan Meza.
Como continuação de experiências de ensino na periferia norte de Lima, embora eu ainda estivesse morando no centro histórico da cidade, surge o projeto Escola de Circo Integral “Circomas” — palavra criada a partir de circo e o nome do distrito, Comas. Entre 2017 e 2019, no período de verão, participei da equipe de gestão e organização das aulas de circo para crianças, jovens e adultos, realizadas na praça principal do distrito. Acompanhamos durante o ano inteiro os avanços das participantes mediante encontros de treinamento aberto que realizamos no espaço, elaboramos certificados de participação, que eram entregues no final do verão, e que acabaram sendo simbolicamente um fator importante para o autorreconhecimento e a valorização da educação autônoma à margem das instituições e suas formalidades, pois havíamos encontrado a nossa própria formalidade, e essa seria nossa contribuição para a criação de mais espaços-experiências de circo, e mais espaços de arte nas periferias, justificando essa demanda com os resultados que as participantes apresentavam durante cada mostra, no final do verão, afirmando que não é suficiente o talento com o qual a pessoa nasce, mas é de constância e estudo que precisamos para a conquista do conhecimento.

Escola de Circo Integral Circomas, mostra de resultados 2019. Foto: acervo Circomas.
Toda vivência tem alguma consequência, e cada experiência se transforma em conhecimento. Com essa premissa, surge “El Norte es mi Centro”. Comas: Activismo Cultural y Contracultural en los últimos 10 anos, que seria a última ação que realizei em Lima. Trata-se de uma apresentação de minha leitura crítica do período entre 2009 e 2019, foi a oportunidade de identificar as potencialidades e as ameaças dos movimentos culturais periféricos, a partir da minha militância cultural, e assim contribuir com o entendimento e a construção do movimento cultural das periferias da zona norte de Lima. Alguns dias depois estava rumo a São Paulo.

Cartaz com foto de um participante das oficinas de arte no bairro La Balanza. Lima 2019. Desenho: El Paradero Cultural. Foto: Janio Eleoseo.
Educação artística decolonial
A experiência dentro da Ocupação Ouvidor 63 provoca o distanciamento da prática artística dos patrões construídos pelo circuitos oficiais de arte, e, não apenas em São Paulo, mas como um fenômeno cultural das capitais ou grandes metrópoles do mundo, desenvolvemos práticas de criação coletiva e autossustentabilidade comunitária mediante o aprendizado que acontece na vida cotidiana da Ouvidor 63. Assim, partindo de alguns princípios como o conceito de que toda pessoa é artista e criadora, começamos a ressignificar o conceito da Arte.
Como podemos desenvolver novos paradigmas na educação artística a partir da experiência da militância no movimento das ocupações artísticas?
Alguns dos fatores que confrontamos são a metodologia de ensino em artes, o estudo da história da arte e os critérios que a universidade ou as escolas oficiais de arte utilizam, e como tais instituições enxergam a construção da cidade e seus acessos aos bens culturais, a especulação no mercado de arte assim como no mercado imobiliário ou na mercadoria acadêmica, a estrutura de violência institucionalizada nos diversos setores socioculturais, entre outras condições que permanentemente temos que evidenciar, reconhecer e superar, na busca de novos paradigmas para a educação em artes e a democratização dos conhecimentos científicos na contemporaneidade.
Ao perceber como esses e muitos outros espaços-experiência onde menores ou pessoas em processo de formação artística ou de outros ofícios são reflexos de nós mesmos na busca por aprender ensinando, ou por saber fazendo, além de qualquer categoria ou condição prévia, evidencia-se a necessidade de conhecimentos a partir da experimentação. Com isso, começo a enxergar meu próprio processo como objeto de pesquisa, minhas experiências como evidências do assunto a tratar, focando a análise de como vem funcionando a educação artística em nós mesmos, nos espaços de onde nós viemos e onde atuamos, num processo de descolonização e de emancipação de padrões acadêmicos hegemônicos.
Educação livre e artística é insurgente, não há escolha quando se decide percorrer um caminho oposto às pretensões do capitalismo global, sobretudo nos países do Hemisfério Sul, onde as práticas predatórias de saberes ancestrais vêm sendo intensificadas desde a institucionalização dos movimentos culturais, e às vezes também sugam e alienam práticas da contracultura. Assim, então, nosso território de luta é o imaginário (e a memória), a cultura de bem viver frente à cultura de massas do capital, nossas identidades diversas frente à padronização da vida. A educação artística é, aos poucos, um dos pilares da construção do mundo, de imaginários e de memória, foi antes e será depois. Nossa função, ao desenvolver essa pesquisa, é afirmar que é urgente combater de frente a neocolonialidade que existe nas instituições de ensino em artes, barrando as paredes e quebrando cadeados e correntes com o grito de rebeldia de quem está construindo-recuperando aos poucos seus conhecimentos e sua identidade.
Narrativas híbridas e cidades rebeldes
Trata-se de análise, síntese e interpretação de múltiplas dimensões conceituais com fundamentos e princípios similares ou potencialmente complementares, visando a resignificação de argumentos produzidos com métodos convencionais e em prol da criação de novos paradigmas para a teoria e a sistematização de experiências sociais e culturais, ou seja humanas.
O método da presente pesquisa utiliza ferramentas não literárias para estruturar a narrativa, é a consequência de uma prática, e do processo de observação de nossa própria participação na ação em análise surgem as primeiras evidências da narrativa híbrida, alguma característica que será identificada desde o começo da pesquisa.
Quando algumas singularidades encontram um fio condutor que as integra numa expressão literária, aparecem os primeiros gráficos, leituras e releituras, interpretações artificiais e imaginativamente ativas. Assim, a normativa literária começará a ser ressignificada e representada nas linguagens possíveis, e também nas que não sejam.
A narrativa híbrida apresentada neste ensaio atravessou três caminhos para chegar a sua realização: o estudo do livro Cidades Rebeldes (David Harvey, 2014), o projeto de intervenção urbana Motor Humano, e a minha moradia artística no Centro Cultural Ocupação Ouvidor 63. Durante uma análise prática e teórica de tais caminhos em simultâneo fomos adquirindo alguns detonantes conceituais e metodologias experimentais, criativas e comunicativas para contribuir para o estudo do movimento de ocupações artísticas.
O primeiro, esclarecendo que a ordem não determina sua relevância ou hierarquia, é o livro Cidades Rebeldes, de David Harvey. Essa possibilidade de localizar numa leitura acadêmica uma crítica ao capitalismo num contexto capitalista, e algumas descrições e observações da globalização urbana que contribui e provoca sentir-se identificado, estimula a continuar na linha de estudo sobre a realidade urbana global. E em relação à força revolucionária das populações que lutam pelo direito à cidade, o livro traz informações e opinião, abre o diálogo e os intercâmbios de conhecimentos entre comunidades de diversos territórios e gerações, permite a possibilidade de mergulhar no pensamento crítico global anticapitalista, além de buscar outros acessos no estudo e na análise dos fenômenos sociais provocados pela industrialização e pela urbanização globalizada.

Intervenção no Centro Histórico de São Paulo, 2024. Foto: Camila Quesada.
O segundo, e na minha posição de criador uma das mais importantes de processo prévio a esta pesquisa, na minha vivência artística, urbana e de protesto, trata-se do laboratório de intervenções urbanas do projeto Motor Humano, que pode evidenciar como práticas urbanas geradas pela globalização acabam resistindo e se colocando em oposição ao sentido do capitalismo globalizado urbano; ou seja, que é possível descrever uma prática a partir da visão linear do tempo, mas o que resulta mais substancial é sua existência atemporal, a transgressão à temporalidade da globalização urbana, o resgate de práticas culturais através do tempo hegemônico que as apaga ou distorce, a visibilização da precariedade não romantizada, e, sobretudo, a redução da vida social artificial que mergulha nas veias de nossos territórios urbanos. Ficam sinais desafiantes das instituições ao serviço do capital que buscam aderir, acompanhar, alinhar e, por fim, extinguir nossos imaginários de vida digna nas cidades, afirmando assim que a voz de quem não pode falar ficará com mais impacto nos ouvintes capitalistas (ouvidos do capital).
Ações do Motor Humano no Centro Histórico de São Paulo, 2024. Foto: (esq.) Tamyris Soares, (dir.) Bryan Meza.
O projeto Motor Humano é uma experiência itinerante, um laboratório de intervenções urbanas a partir da criação de bicicletas gigantes com peças em desuso, que atualmente articula artistas e espaços culturais entre a América Latina e a Europa, propõe novos protagonismos para recuperar a cidade mediante o protesto estético e confrontativo ao sistema de automobilização urbano. O projeto atua com a missão de revolucionar os imaginários urbanos além de despertá-los, e quando as bicicletas gigantes percorrem a cidade algo acontece nessas ruas: motoristas, pedestres e nós, criando juntos artifícios anticapitalistas, integrados numa narrativa difícil de transcrever, mas o trabalho aqui pretende desenvolver essa tarefa, e acredito que é possível.

Construção de bike no atelier do Motor Humano, localizado na garagem de Ouvidor 63. Foto: Rafael Botas.
O terceiro é minha militância como ocupante na Ouvidor 63, moradia artística e um novo paradigma na luta social. A comunidade em análise compõe comunidades diversas, individualidades rebeldes ao padrão de relação capitalista, no econômico-político, no educativo-intelectual ou cultural-espiritual. Aqui a vida em comunidade permite expandir suas referências sensoriais, afirmar que nada está fixo nem fixado no espaço, que os espaços-experiências estão vivos, em movimento constante, e ainda parecem cada vez mais autossustentáveis. Por meio de laboratórios mantêm-se a criação e a reinvenção da vida. Morar numa ocupação artística como Ouvidor 63 é estudar a vida a partir das artes e evidenciar que é possível melhorar a qualidade de vida a partir da educação artística.
Os métodos didáticos aplicados em espaços-experiências autônomos precisam de laços humanos e sinergias espontâneas-orgânicas e começam a se manifestar de várias formas uma vez que a prática às vezes não é falada nem descrita, e na maioria das vezes nem transcrita. Então, como explicar para as próximas gerações de ocupantes e pesquisadores o que é desenvolver em simultâneo uma pesquisa e ocupar artisticamente?



A moradia artística na Ouvidor 63 é uma escola de artes e ofícios. Fotos: acervo Bryan Meza.
São esses três caminhos que atravessarei coletando fragmentos vivos, que criarão permanentemente conclusões e releituras dessas experiências.
Narrativas híbridas é proposta como uma apresentação parcial da metodologia de pesquisa, que pode ser reproduzida, questionada, modificada ou ignorada, mas que representa o mais próximo de uma explicação literária da minha prática e militância. Na busca por metodologias que enxergam práticas de arte marginal ou transdisciplinar fui me sentindo disposto a falar e arriscar, assim, a transcendência de meu lugar de fala é acreditar e imaginar, e confesso que minhas dúvidas e meus desconhecimentos estão presentes neste e em outros processos de pesquisa.
Quais seriam as características de uma Escola Livre a partir dessas referências?
Ensino in-formal e comunitário
Um dos principais fatores que identificamos é a acessibilidade, a diversidade e construção do “comum”, a não necessidade de instaurar condições para participar de um espaço-experiência de aprendizagem autônomo, e que a pedagogia de caracter comunitario evita reproduzir ou reutilizar aquelas metodologias que são aplicadas nas escolas de arte convencionais que homogenizam e alienam a estudantes e aprendizes
Processos criativos e colaborativos
O aprendizado autônomo e a autogestão de conhecimento, quando não está ao serviço dos padrões do capitalismo que se foca no produto e o valor de mercado, permite que sejam os processos as principais evidências do aprendizado nessas escolas, e não as produções estéticas ou os serviços capacitistas. Somente mediante o intercâmbio de conhecimentos convertem esses processos em práticas colaborativas que cultivam nos artistas em formação um método para contribuir com a educação artística autônoma.
Formação de agentes contraculturais e a construção de identidade
O aprendizado nas escolas livres cria agentes mediadores e transmissores de informações, da mesma forma que os espaços de formação formais-tradicionais, mas com a finalidade de reivindicar as diversidades culturais e artísticas, forjando uma identidade própria baseada na diversidade que confronte o capitalismo global a partir do pensamento, do imaginário, da memória e da prática.
Resistência política e a promoção da cultura popular
O impacto da relação entre a educação e o território se evidencia fora dos espaços de ensino. Uma escola livre num território reconhece a arte como uma dimensão que enxerga todas as áreas do conhecimento; ou seja, não especificamente as atividades artísticas, mas sim as atividades criadoras, criativas e comuns, e em diálogo com as populações que habitam no território. A defesa das culturas periféricas implica ações propositivas que impactam nas políticas públicas, fazendo destas uma política comum. Nesse sentido, o imaginário social vira política local quando a comunidade, marginal ou periférica, compreende que as estruturas são um meio à disposição da luta, e não como finalidade do movimento cultural da comunidade.
As escolas livres de arte: diálogos entre a educação artística e os movimentos sociais
É possível fazer uma breve análise de como é desenvolvida a educação artística nas ocupações artísticas a partir da identificação de algumas experiências de educação contra-hegemônica, localizadas dentro dos movimentos sociais no campo e nas cidades, reconhecendo-as como uma educação que pretende enfrentar o capitalismo a partir de um fator substancial que é a autodeterminação para nossa força de trabalho, e que avança e prolifera uma demanda acompanhada de propostas de educação alternativa, inclusiva e criativa, consciente da justiça social. Contudo, trata-se de uma intersecção entre artistas sociais com a luta das pessoas trabalhadoras: a luta por moradia digna, e por arte, cultura, educação e pelo direito à cidade.
O período que abordamos aqui será a partir de meados do século vinte, período em que surgiram espaços-experiências que visavam a expansão desses outros métodos pedagógicos e de criação artística, de uma educação mais inclusiva, solidária e autônoma, dentre os quais destacam-se os seguintes:
O MST com as Escolas Itinerantes cria uma referência consistente para entendimento da educação em comunidade, e como reparação histórica, no estudo sobre a educação nesses espaços-experiências, evidenciamos a militância de trabalhadoras, educadoras, camponesas e artistas itinerantes nas últimas décadas.
Na construção da identidade latinoamericana, a partir das revoluções que aconteceram, será pertinente reconhecer a influência da revolução cubana, com seus programas de comunicação, propaganda e arte gráfica e pelo incentivo às artes, as quais seriam um meio de articulação entre América Latina e os povos da África e da Ásia, que, durante o período da chamada guerra fria, foram chamadas de terceiro mundo pelo ocidente.
Posteriormente, das revoltas e reformas que aconteceram na América Latina, no campo e nas cidades, a luta pela reforma agrária tem sido transversal na história continental no último século. No Peru, considera-se uma referência histórico-política o caso da campanha Terra ou Morte, liderada por Hugo Blanco, que entre 1961 e 1963 promoveu grandes manifestações e a invasão de latifúndios no Sul do Peru, com o objetivo de expropriar as terras e realizar a reforma agrária.
Oswaldo Guayasamin, nascido em Quito, Equador, alcançou impactos em nível continental, sendo referência até hoje para novas tendências na pintura expressionista de origem indígena, recebeu em 1957 o Prêmio de Melhor Pintor Sul-Americano, concedido pela Bienal de São Paulo, Brasil.
A visão da educação segundo Paulo Freire, conseguindo que trabalhadores rurais aprendessem pelo método baseado no diálogo crítico, e que propôs, no início dos anos 1960, que a palavra podia deixar de ser o veículo das ideologias alienantes para tornar-se o instrumento de uma transformação da sociedade.
Nas artes cênicas, é criado o teatro Oficina por estudantes da escola de Direito no Largo São Francisco em São Paulo, em 1958. E, alguns anos depois, no contexto da oposição à guerra do Vietnã, surge o grupo Bread & Puppet, em que Elka e Peter Schumann, procurando oportunidades de se desenvolverem como educadores, criam um teatro de marionetes, com obras para a rua que abordam, a partir de um olhar crítico, diversos temas como ecologia, capitalismo, militarismo, políticas sociais e urbanas.
Em Chiapas, México, a partir de 2000, o movimento zapatista desenvolveu o que chama de a outra educação, que são escolas criadas pelos zapatistas onde estudantes conservam a língua originária e o permanente olhar para o seu contexto. A educação zapatista está baseada numa relação de harmonia com o ambiente social e natural, mantendo a autonomia e a liberdade como princípio, e a crítica para a educação oficial.
Na literatura latinoamericana, a obra informativa e poética de Eduardo Galeano conserva a chave para o despertar da insurgência literária. Ele compõe a narrativa histórica da violência colonial e capitalista a partir da poética intelectual e serve até hoje como uma referência global de aproximação ao entendimento das outras histórias da América Latina, de territórios e populações oprimidas e estruturalmente violentadas.
Desafios e ações: as metodologias de uma escola livre de arte incentiva e provoca imaginários para os processos pedagógicos
Para um melhor entendimento sobre a educação artística alternativa do Centro Histórico de São Paulo e a partir de uma ocupação artística, damos uma leve atenção ao discurso hegemônico dos envolvidos nos processos de construção da cidade por meio da arquitetura e do urbanismo capitalista, setor este que pretende contemplar todas as áreas de negociação cultural ao serviço do turismo e do entretenimento cultural. Quando consideram temas como legado cultural, mobilidade urbana, sustentabilidade, economia criativa, inclusão social ou diversidade cultural, colocam referências mais afinadas às instituições oficiais e tradicionais; ou seja, consideram o Teatro Municipal, o Mercado Municipal, a Pinacoteca, palácios e prédios tombados, como o dos Correios, entre outros elementos patrimoniais, e, nessa lógica, pretendem a museificação das diversas expressões autônomas e contraculturais que surgem e coabitam na cidade.
Dentro da Ocupação Ouvidor surgem metodologias pedagógicas baseadas na experimentação prática, no trabalho colaborativo e no consentimento mútuo, e tais práticas são possíveis pelas relações sociais horizontais e pelas lógicas de organização sociocultural opostas às do capitalismo global. Entre os desdobramentos, resultados e efeitos dessas metodologias conseguimos registrar diversas ações que podem representar em fatos as reflexões e as metodologias da escola livre de arte, algumas das quais apresento a seguir.

Reforma do Teatro La Mimo durante a pandemia, entre 2020 e 2021. Fotos: Sara Soares.
O processo de reforma do Teatro La Mimo, na Ocupação Ouvidor 63, realizado no contexto do período pandêmico, foi um momento de aprendizado coletivo entre artistas de circo. Esse processo consistiu em estudos práticos sobre desenho e construção de estruturas metálicas. O espaço está a cargo do coletivo 612 Circus que, formado por artistas viajantes e de diversos países da América do Sul, mantém um espaço onde artistas de diversas linguagens podem experimentar e aprender outros ofícios relacionados com a transformação da matéria, ou de novas linguagens artísticas.



Processo de criação do cartaz no Laboratório do 10º andar, 2022. Fotos: acervo Marginalia.
Participei da organização e do processo de pesquisa e criação do cartaz do evento “Re-Okupe-Formas”, uma ação precedente do que seria o projeto Galeria Marginalia. Realizamos estudos sobre história da arte e do design e tomando algumas referências estéticas para resolver um cartaz de forma artesanal desde a fotografia, até a montagem, o conceito e a edição.

Instalação “Não foi o gato” e Bryan Meza no 10° andar, 2021. Foto: acervo Bryan Meza.
Obra “Não foi o gato!”
Homenagem às vítimas do incêndio do edifício Wilton Paes de Almeida que, em 2018, sofreu um desabamento por incêndio, supostamente por causa de um “gato elétrico”. A obra é uma sinergia criativa entre arte e a memória social urbana, é a criatividade imersa num contexto de luta por moradia digna e por acesso à cultura no Centro Histórico de São Paulo, que aborda a luta das ocupações em São Paulo e a partir da análise do processo de idealização, materialização e exibição, atravessamos as referências históricas e culturais que sustentam a narrativa da obra.
É uma instalação interativa de luminárias, de 3 metros x 4 metros, com fiações visíveis e interruptores que permitem que o público participe, acendendo e apagando as luzes, refletindo sobre o direito à cidade, à cultura e à moradia digna a partir de um dispositivo elaborado com materiais reciclados de eletricidade básica. Além disso, a presença de um extintor de incêndio e uma grade na obra sublinham a precariedade das condições de segurança nas ocupações e, ao mesmo tempo, evidenciam a preocupação, o trabalho e a autonomia das populações e comunidades que habitam e transitam nessas realidades marginalizadas e marginais.
Foi produzida em 2021, após um processo de pesquisa sobre o movimento de luta por moradia em São Paulo. Naquele ano, tínhamos iniciado a parceria com a EFLCH-UNIFESP por meio do Laboratório de Curadoria e Mediação (Lab 3), que consistiu na visita, em vivências e atividades de estudantes e professores junto a artistas, coletivos e projetos que habitam o espaço Ouvidor 63. No mesmo ano, atravessamos o período pandêmico, sem poder fugir do impacto que teve em nível global e o adoecimento social sistemático pela irresponsabilidade de governos e a falta de alternativas médicas e de recreação social. Nesse processo, já falávamos sobre a memória das vítimas da pandemia, que foi um insumo substancial da criação da obra: a memória de vítimas vulneráveis e a memória das responsabilidades e da busca de justiça, a partir da demanda que fazemos parte, do direito à moradia ao direito à cidade, e do direito de acessos às artes até o direito à memória.
A obra foi apresentada e exibida em 2021, na 3ª Bienal de Artes Ouvidor 63, e em 2024, no 4º andar da Ocupação Ouvidor 63. Ambas as experiências atraíram a atenção da comunidade de artistas que habitam o espaço e de visitantes, fazendo parte da programação cultural da Ouvidor 63, influenciando trabalhos acadêmicos e pesquisas subsequentes, compondo o acervo e a memória que é gerada e mantida dentro da comunidade Ouvidor 63.


“Não foi o gato”, 10º andar, 2021. Fotos: acervo Bryan Meza.

“Não foi o gato”, 4º andar, 2024. Foto: Bryan Meza
Por que não foi o gato?
A obra começa a ser idealizada a partir das vivências cotidianas nas condições estruturais do prédio que estavam (como quase sempre) no processo de reformas e melhorias, no que se refere ao sistema elétrico geral. Me envolvi na identificação de diversos riscos que poderíamos atender e resolver, fazendo diagnósticos e vistorias internas para alcançar as demandas com maior efetividade e transcendência, e foi assim que surgiram oficinas, reuniões, mutirões, entre outras ações que seriam as geradoras, precedentes e referências da obra.
Os mutirões são um princípio elementar dentro do funcionamento, e a auto-organização da Ouvidor 63 consegue dinamizar os espaços e os ocupantes, gerar transformações nos espaços, propor novas maneiras de distribuir e formular as funções sociais do prédio, estimular a geração de recursos para investimento em reformas em diversos níveis, desde concertos domésticos menores até reformas estruturais que envolvem o prédio inteiro, além disso, é uma ação política para resolver nossas necessidades convertendo a problemática em oportunidade no nível pessoal, com aprendizados e capacitações, e no nível espacial, com melhorias e otimização do uso dos espaços preservando o caráter coletivo e comunitário.
As oficinas foram iniciativas pensadas para manter o engajamento na continuação das reformas e manutenções no espaço, e é o espaço comum mais efetivo de transferência de conhecimentos, pois, a partir da autonomia e da disposição de ensinar e aprender coletivamente, por parte das pessoas e das coletividades que ocupam e habitam o prédio, elas evidenciam também a prática artística transdisciplinar e híbrida, ao integrar diversas artes e ofícios em prol de um objetivo em comum, como uma reforma ou uma obra.
As reuniões são os espaços deliberativos e de encontro das diversas coletividades, onde é possível articular propostas e iniciativas, dialogicamente, para atingir as necessidades identificadas. É um espaço soberano que representa a organização e gera acordos coletivos para, assim, informar eventos, como exposições, abrir discussões sobre assuntos como moradia digna, direito à cidade, e propor reivindicações e ressignificações a partir de nossas ações no prédio e na cidade. Por fim, é a evidência na prática do que é autonomia, que não necessita de uma estrutura rígida e imóvel; ao contrário, para que uma organização como a Ouvidor 63 funcione, é preciso que a autonomia gere essa flexibilidade complexa, essa itinerância poética. e o fluxo de vidas, vivências e saberes.


Trabalho realizado por Amanda Raiol na Revista MIRA no Lab 3 (EFLCH-UNIFESP), fazendo a releitura da obra “Não foi o gato”, 2021.
Conclusões pós-dicotomia: objeto de pesquisa-sujeito pesquisador
Durante o processo da minha pesquisa sobre educação autônoma e popular, exponho e represento neste texto a escola livre de arte, ora em Lima, ora em São Paulo, a partir do que presenciei, observei, gerei e participei em outras pesquisas e ações educativas, por meio de textos e trabalhos acadêmicos para os quais colaborei com entrevistas e, em alguns casos, acompanhei na formulação das dimensões conceituais, ou, prioritariamente, como agente ativo, assumindo a militância cultural com a responsabilidade de ser um organismo criador de imaginários, nas ações que busquem evidenciar os princípios e os fins do que poderia ser uma Escola Livre de Arte.
Com o intuito de contribuir para os processos que confrontam o capitalismo global a partir da pedagogia e das artes, é urgente e indispensável o entendimento da educação artística autônoma como ferramenta de reinvenção do mundo e de recriação coletiva de estruturas sociais e políticas. As escolas livres de arte estão inseridas nos processos individuais e coletivos que construíram outras lógicas às margens do capitalismo global, e um primeiro passo para a construção delas é nossa voz e nossa ação: criando, ensinando e aprendendo mutuamente, em comunidade e sem hierarquias, pois ainda temos muito conhecimento por conquistar, e com esse trabalho deixamos uma evidência disso.
Referências
BOLUARTE DOMINGUEZ, Jose; BOLUARTE NECOCHEA, Luis. COMAS: Reflexiones — Vision de Futuro. Lima: Biblioteca Nacional del Peru, 2014. p. 37-38
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