
(
1 de jan. de 2023
)
Contracultura
não porque essas liberdades se tenham tornado insignificantes, mas por serem demasiado significativas para serem contidas nas formas tradicionais.
Felipe Espinoza
Com a globalização, os veículos de disseminação de informação se tornaram cada vez mais acessíveis, criando diversas ferramentas de produção cultural que descentralizam a ideia de indivíduo universal em nossa sociedade.
O primeiro contato que tive com a contracultura foi através do skate, me levando a ocupar espaços para praticar o esporte que na época era bem vandalizado. Meus amigos e eu nos unimos para ocupar uma praça de esportes e construir nossos próprios obstáculos, e com muita luta conquistamos a primeira pista de skate de Barão Geraldo, em Campinas.
Nesta pesquisa quero mostrar como a má distribuição de recursos e a imposição da cultura vigente contribuem com a formação de grupos que muitas vezes recorrem a atos subversivos diante das necessidades que surgem em forma de consumo alternativo ou para suprir demandas de um sistema desigual.
Diante de um sistema que não supre a diversidade de necessidades dos seus indivíduos, estes são condicionados a buscar alternativas que contradigam a cultura estabelecida. Além disso, diante de algumas censuras impostas a alguns segmentos da população, estes buscam alternativas.
Um exemplo de luta contra essas censuras são as rádios “piratas”, um meio de informação mais autônomo e livre. A Rádio Muda representa uma memória viva em minha trajetória. Eu não era estudante da Unicamp, mas frequentava aquele espaço como sujeito ávido pelas práticas contraculturais. Instalada no interior da caixa d’água da Unicamp, a transmissão alcançava o bairro de Barão Geraldo.
Ali estudantes se uniram para ocupar aquele espaço e transformá-lo em uma rádio. Iniciei meu contato como ouvinte e, após um tempo, tive a oportunidade de me tornar radialista. Pude me expressar, me informar e tocar músicas da minha preferência, compartilhando tudo isso com amigos e familiares que preferiam essa rádio por não estar limitada à reprodução das músicas mais populares, nos permitindo descobrir coisas novas, diferentes.
Em um determinado momento, a polícia federal fechou a rádio alegando, sem provas, que estava cruzando o sinal de rádio de aeronaves. Essa ação nos deixou uma profunda sensação de censura.
Ferramentas como a TV, o cinema, o teatro, a moda, os jornais, as redes sociais etc., reproduzem um modelo cultural imposto por uma sociedade de produção e consumo. Diante de uma cultura alienadora temos um falso senso de satisfação com os produtos oferecidos por ela. Deixamos de compreender como a forma como produzimos e consumimos permite a manutenção das desigualdades sociais.
Com esse texto pretendo fazer uma reflexão sobre a contracultura enquanto fenômeno cultural artístico que se desenvolve em uma sociedade tecnocrata. Nela, a qualificação do trabalho se torna cada vez mais complexa, excluindo aqueles que não seguem o padrão imposto pela alienação das massas. Um indivíduo que não se enquadra a um determinado grupo torna-se improdutivo, sendo desqualificado de funções que contribuem com tal padrão de produção e consumo lúdico.
Apesar da centralização da cultura vigente, surgem movimentos na contracorrente. São grupos excluídos de uma cultura centralizada que desenvolvem seus próprios meios de produção e consumo, grupos muitas vezes marginalizados por terem um modo de atuação subversivo dentro da cultura estabelecida.
Com a apropriação de tais ferramentas de controle, cria-se produtos que contradizem a cultura centralizada, trazendo assim uma reflexão social mais aprofundada a um indivíduo que não se sente pertencente a grupos que atuam. Para Marcuse (1964, p. 25),
A civilização industrial contemporânea demonstra haver alcançado a fase na qual a “sociedade livre” não mais pode ser adequadamente definida nos termos tradicionais de liberdades econômica, política e intelectual, não porque essas liberdades se tenham tornado insignificantes, mas por serem demasiado significativas para serem contidas nas formas tradicionais.
Se observarmos o skate, começou marginalizado por ser um esporte desenvolvido nas ruas e foi ganhando espaço na cultura contemporânea até se tornar esporte olímpico. As batalhas de rimas, que tem seus palcos nas ruas, ganham cenário no mundo inteiro. Os artistas de rua que mostram seu trabalho ao público e encontram seu reconhecimento, recebem convites para se apresentar em programas de televisão, circos, festas e trabalhos internacionais. Isso mostra que essa contracultura tem muito a agregar na economia, na política e no intelectual.
Muitos artistas autônomos não dispõem de muitos recursos, estão em uma constante luta por acesso à moradia, e essa luta é construída através de sua própria arte. Como exemplo cito a ocupação cultural Ouvidor 63, um espaço coletivo onde vivem diversos artistas e famílias de uma forma alternativa, considerando as formas tradicionais. A Ouvidor 63 tem quartos individuais e coletivos, cozinhas, banheiros e salões. Aqui nada é selecionado, tudo é reaproveitado, as paredes com grafites, as janelas algumas sem fechar. Essa estética também consideramos contracultural, pois não segue um padrão de moradia.
Liberdade econômica significaria liberdade de ser controlado pelas forças hegemônicas, a liberdade de lutar cotidianamente pela existência, de ganhar a vida. Liberdade política significaria a libertação do indivíduo da política sobre a qual ele não tem controle eficaz algum. Do mesmo modo, liberdade intelectual significaria a restauração do pensamento individual, ora absorvido pela comunicação e doutrinação em massa, abolição da “opinião pública” juntamente com os seus forjadores.
Esses movimentos subversivos ocupam espaços muitas vezes ociosos e improdutivos e os transformam, através da resistência, em espaços com funções sociais — de lazer, arte, cultura e moradia —, unindo a comunidade, organizando eventos para arrecadar fundos para melhoria de cada espaço, contando também com as participações de grupos parceiros.
A Ouvidor 63 oferece o circo social, sem fins lucrativos, com o coletivo 6/12 que trabalha nas favelas e ocupações de São Paulo com apresentações circenses e também intervenções artísticas em marchas de protesto no movimento por moradia. Um dos reflexos desses movimentos de contracultura foi na ditadura, uma cultura que de fato foi estabelecida por um regime militar, causava desacordo por parte da população que era constantemente perseguida por seus modos de atuar diante de uma cultura imposta de forma autoritária.
Em março de 1968, em plena ditadura no Brasil, Edson Luís de Lima Souto, 17 anos, foi baleado pela polícia que invadiu o restaurante Calabouço, frequentado por estudantes. Em sua missa de sétimo dia, uma passeata de 50 mil pessoas, assediadas por sucessivas cargas de cavalaria militar, transformou o Rio em uma praça de guerra. A revolta se espalharia por centros universitários em diversas cidades pelo país afora, e resultou em dezenas de presos, feridos, baleados e mais mortes.
Em 26 de julho do mesmo ano, a Marcha dos Cem Mil no Rio de Janeiro contou com o apoio de intelectuais, artistas, padres, professores, pais e mães. No mês de outubro, em São Paulo, na Maria Antônia, ocorreu a morte do secundarista José Guimarães, baleado na cabeça. Ainda em outubro, 720 estudantes foram presos em Ibiúna, em um congresso da União Nacional dos Estudantes (UNE).
A partir desses eventos no Brasil, cria-se uma resistência muito significativa contra a cultura vigente, transformando a cada dia mais pessoas fora dos sistemas de alienação, artistas que expressam as injustiças sociais em suas performances, músicas, concertos, que estimulam o sentimento de liberdade.

Viva o Circo, foto no teatro La Mimo, Foto: Sol Emanuel Calderón.
mais ensaios
Descubra Sobre Possíveis mundos Pós-Capitalistas

(
1 de jan. de 2023
)
Contracultura
não porque essas liberdades se tenham tornado insignificantes, mas por serem demasiado significativas para serem contidas nas formas tradicionais.
Felipe Espinoza
Com a globalização, os veículos de disseminação de informação se tornaram cada vez mais acessíveis, criando diversas ferramentas de produção cultural que descentralizam a ideia de indivíduo universal em nossa sociedade.
O primeiro contato que tive com a contracultura foi através do skate, me levando a ocupar espaços para praticar o esporte que na época era bem vandalizado. Meus amigos e eu nos unimos para ocupar uma praça de esportes e construir nossos próprios obstáculos, e com muita luta conquistamos a primeira pista de skate de Barão Geraldo, em Campinas.
Nesta pesquisa quero mostrar como a má distribuição de recursos e a imposição da cultura vigente contribuem com a formação de grupos que muitas vezes recorrem a atos subversivos diante das necessidades que surgem em forma de consumo alternativo ou para suprir demandas de um sistema desigual.
Diante de um sistema que não supre a diversidade de necessidades dos seus indivíduos, estes são condicionados a buscar alternativas que contradigam a cultura estabelecida. Além disso, diante de algumas censuras impostas a alguns segmentos da população, estes buscam alternativas.
Um exemplo de luta contra essas censuras são as rádios “piratas”, um meio de informação mais autônomo e livre. A Rádio Muda representa uma memória viva em minha trajetória. Eu não era estudante da Unicamp, mas frequentava aquele espaço como sujeito ávido pelas práticas contraculturais. Instalada no interior da caixa d’água da Unicamp, a transmissão alcançava o bairro de Barão Geraldo.
Ali estudantes se uniram para ocupar aquele espaço e transformá-lo em uma rádio. Iniciei meu contato como ouvinte e, após um tempo, tive a oportunidade de me tornar radialista. Pude me expressar, me informar e tocar músicas da minha preferência, compartilhando tudo isso com amigos e familiares que preferiam essa rádio por não estar limitada à reprodução das músicas mais populares, nos permitindo descobrir coisas novas, diferentes.
Em um determinado momento, a polícia federal fechou a rádio alegando, sem provas, que estava cruzando o sinal de rádio de aeronaves. Essa ação nos deixou uma profunda sensação de censura.
Ferramentas como a TV, o cinema, o teatro, a moda, os jornais, as redes sociais etc., reproduzem um modelo cultural imposto por uma sociedade de produção e consumo. Diante de uma cultura alienadora temos um falso senso de satisfação com os produtos oferecidos por ela. Deixamos de compreender como a forma como produzimos e consumimos permite a manutenção das desigualdades sociais.
Com esse texto pretendo fazer uma reflexão sobre a contracultura enquanto fenômeno cultural artístico que se desenvolve em uma sociedade tecnocrata. Nela, a qualificação do trabalho se torna cada vez mais complexa, excluindo aqueles que não seguem o padrão imposto pela alienação das massas. Um indivíduo que não se enquadra a um determinado grupo torna-se improdutivo, sendo desqualificado de funções que contribuem com tal padrão de produção e consumo lúdico.
Apesar da centralização da cultura vigente, surgem movimentos na contracorrente. São grupos excluídos de uma cultura centralizada que desenvolvem seus próprios meios de produção e consumo, grupos muitas vezes marginalizados por terem um modo de atuação subversivo dentro da cultura estabelecida.
Com a apropriação de tais ferramentas de controle, cria-se produtos que contradizem a cultura centralizada, trazendo assim uma reflexão social mais aprofundada a um indivíduo que não se sente pertencente a grupos que atuam. Para Marcuse (1964, p. 25),
A civilização industrial contemporânea demonstra haver alcançado a fase na qual a “sociedade livre” não mais pode ser adequadamente definida nos termos tradicionais de liberdades econômica, política e intelectual, não porque essas liberdades se tenham tornado insignificantes, mas por serem demasiado significativas para serem contidas nas formas tradicionais.
Se observarmos o skate, começou marginalizado por ser um esporte desenvolvido nas ruas e foi ganhando espaço na cultura contemporânea até se tornar esporte olímpico. As batalhas de rimas, que tem seus palcos nas ruas, ganham cenário no mundo inteiro. Os artistas de rua que mostram seu trabalho ao público e encontram seu reconhecimento, recebem convites para se apresentar em programas de televisão, circos, festas e trabalhos internacionais. Isso mostra que essa contracultura tem muito a agregar na economia, na política e no intelectual.
Muitos artistas autônomos não dispõem de muitos recursos, estão em uma constante luta por acesso à moradia, e essa luta é construída através de sua própria arte. Como exemplo cito a ocupação cultural Ouvidor 63, um espaço coletivo onde vivem diversos artistas e famílias de uma forma alternativa, considerando as formas tradicionais. A Ouvidor 63 tem quartos individuais e coletivos, cozinhas, banheiros e salões. Aqui nada é selecionado, tudo é reaproveitado, as paredes com grafites, as janelas algumas sem fechar. Essa estética também consideramos contracultural, pois não segue um padrão de moradia.
Liberdade econômica significaria liberdade de ser controlado pelas forças hegemônicas, a liberdade de lutar cotidianamente pela existência, de ganhar a vida. Liberdade política significaria a libertação do indivíduo da política sobre a qual ele não tem controle eficaz algum. Do mesmo modo, liberdade intelectual significaria a restauração do pensamento individual, ora absorvido pela comunicação e doutrinação em massa, abolição da “opinião pública” juntamente com os seus forjadores.
Esses movimentos subversivos ocupam espaços muitas vezes ociosos e improdutivos e os transformam, através da resistência, em espaços com funções sociais — de lazer, arte, cultura e moradia —, unindo a comunidade, organizando eventos para arrecadar fundos para melhoria de cada espaço, contando também com as participações de grupos parceiros.
A Ouvidor 63 oferece o circo social, sem fins lucrativos, com o coletivo 6/12 que trabalha nas favelas e ocupações de São Paulo com apresentações circenses e também intervenções artísticas em marchas de protesto no movimento por moradia. Um dos reflexos desses movimentos de contracultura foi na ditadura, uma cultura que de fato foi estabelecida por um regime militar, causava desacordo por parte da população que era constantemente perseguida por seus modos de atuar diante de uma cultura imposta de forma autoritária.
Em março de 1968, em plena ditadura no Brasil, Edson Luís de Lima Souto, 17 anos, foi baleado pela polícia que invadiu o restaurante Calabouço, frequentado por estudantes. Em sua missa de sétimo dia, uma passeata de 50 mil pessoas, assediadas por sucessivas cargas de cavalaria militar, transformou o Rio em uma praça de guerra. A revolta se espalharia por centros universitários em diversas cidades pelo país afora, e resultou em dezenas de presos, feridos, baleados e mais mortes.
Em 26 de julho do mesmo ano, a Marcha dos Cem Mil no Rio de Janeiro contou com o apoio de intelectuais, artistas, padres, professores, pais e mães. No mês de outubro, em São Paulo, na Maria Antônia, ocorreu a morte do secundarista José Guimarães, baleado na cabeça. Ainda em outubro, 720 estudantes foram presos em Ibiúna, em um congresso da União Nacional dos Estudantes (UNE).
A partir desses eventos no Brasil, cria-se uma resistência muito significativa contra a cultura vigente, transformando a cada dia mais pessoas fora dos sistemas de alienação, artistas que expressam as injustiças sociais em suas performances, músicas, concertos, que estimulam o sentimento de liberdade.

Viva o Circo, foto no teatro La Mimo, Foto: Sol Emanuel Calderón.
mais ensaios
Descubra Sobre Possíveis mundos Pós-Capitalistas

(
1 de jan. de 2023
)
Contracultura
não porque essas liberdades se tenham tornado insignificantes, mas por serem demasiado significativas para serem contidas nas formas tradicionais.
Felipe Espinoza
Com a globalização, os veículos de disseminação de informação se tornaram cada vez mais acessíveis, criando diversas ferramentas de produção cultural que descentralizam a ideia de indivíduo universal em nossa sociedade.
O primeiro contato que tive com a contracultura foi através do skate, me levando a ocupar espaços para praticar o esporte que na época era bem vandalizado. Meus amigos e eu nos unimos para ocupar uma praça de esportes e construir nossos próprios obstáculos, e com muita luta conquistamos a primeira pista de skate de Barão Geraldo, em Campinas.
Nesta pesquisa quero mostrar como a má distribuição de recursos e a imposição da cultura vigente contribuem com a formação de grupos que muitas vezes recorrem a atos subversivos diante das necessidades que surgem em forma de consumo alternativo ou para suprir demandas de um sistema desigual.
Diante de um sistema que não supre a diversidade de necessidades dos seus indivíduos, estes são condicionados a buscar alternativas que contradigam a cultura estabelecida. Além disso, diante de algumas censuras impostas a alguns segmentos da população, estes buscam alternativas.
Um exemplo de luta contra essas censuras são as rádios “piratas”, um meio de informação mais autônomo e livre. A Rádio Muda representa uma memória viva em minha trajetória. Eu não era estudante da Unicamp, mas frequentava aquele espaço como sujeito ávido pelas práticas contraculturais. Instalada no interior da caixa d’água da Unicamp, a transmissão alcançava o bairro de Barão Geraldo.
Ali estudantes se uniram para ocupar aquele espaço e transformá-lo em uma rádio. Iniciei meu contato como ouvinte e, após um tempo, tive a oportunidade de me tornar radialista. Pude me expressar, me informar e tocar músicas da minha preferência, compartilhando tudo isso com amigos e familiares que preferiam essa rádio por não estar limitada à reprodução das músicas mais populares, nos permitindo descobrir coisas novas, diferentes.
Em um determinado momento, a polícia federal fechou a rádio alegando, sem provas, que estava cruzando o sinal de rádio de aeronaves. Essa ação nos deixou uma profunda sensação de censura.
Ferramentas como a TV, o cinema, o teatro, a moda, os jornais, as redes sociais etc., reproduzem um modelo cultural imposto por uma sociedade de produção e consumo. Diante de uma cultura alienadora temos um falso senso de satisfação com os produtos oferecidos por ela. Deixamos de compreender como a forma como produzimos e consumimos permite a manutenção das desigualdades sociais.
Com esse texto pretendo fazer uma reflexão sobre a contracultura enquanto fenômeno cultural artístico que se desenvolve em uma sociedade tecnocrata. Nela, a qualificação do trabalho se torna cada vez mais complexa, excluindo aqueles que não seguem o padrão imposto pela alienação das massas. Um indivíduo que não se enquadra a um determinado grupo torna-se improdutivo, sendo desqualificado de funções que contribuem com tal padrão de produção e consumo lúdico.
Apesar da centralização da cultura vigente, surgem movimentos na contracorrente. São grupos excluídos de uma cultura centralizada que desenvolvem seus próprios meios de produção e consumo, grupos muitas vezes marginalizados por terem um modo de atuação subversivo dentro da cultura estabelecida.
Com a apropriação de tais ferramentas de controle, cria-se produtos que contradizem a cultura centralizada, trazendo assim uma reflexão social mais aprofundada a um indivíduo que não se sente pertencente a grupos que atuam. Para Marcuse (1964, p. 25),
A civilização industrial contemporânea demonstra haver alcançado a fase na qual a “sociedade livre” não mais pode ser adequadamente definida nos termos tradicionais de liberdades econômica, política e intelectual, não porque essas liberdades se tenham tornado insignificantes, mas por serem demasiado significativas para serem contidas nas formas tradicionais.
Se observarmos o skate, começou marginalizado por ser um esporte desenvolvido nas ruas e foi ganhando espaço na cultura contemporânea até se tornar esporte olímpico. As batalhas de rimas, que tem seus palcos nas ruas, ganham cenário no mundo inteiro. Os artistas de rua que mostram seu trabalho ao público e encontram seu reconhecimento, recebem convites para se apresentar em programas de televisão, circos, festas e trabalhos internacionais. Isso mostra que essa contracultura tem muito a agregar na economia, na política e no intelectual.
Muitos artistas autônomos não dispõem de muitos recursos, estão em uma constante luta por acesso à moradia, e essa luta é construída através de sua própria arte. Como exemplo cito a ocupação cultural Ouvidor 63, um espaço coletivo onde vivem diversos artistas e famílias de uma forma alternativa, considerando as formas tradicionais. A Ouvidor 63 tem quartos individuais e coletivos, cozinhas, banheiros e salões. Aqui nada é selecionado, tudo é reaproveitado, as paredes com grafites, as janelas algumas sem fechar. Essa estética também consideramos contracultural, pois não segue um padrão de moradia.
Liberdade econômica significaria liberdade de ser controlado pelas forças hegemônicas, a liberdade de lutar cotidianamente pela existência, de ganhar a vida. Liberdade política significaria a libertação do indivíduo da política sobre a qual ele não tem controle eficaz algum. Do mesmo modo, liberdade intelectual significaria a restauração do pensamento individual, ora absorvido pela comunicação e doutrinação em massa, abolição da “opinião pública” juntamente com os seus forjadores.
Esses movimentos subversivos ocupam espaços muitas vezes ociosos e improdutivos e os transformam, através da resistência, em espaços com funções sociais — de lazer, arte, cultura e moradia —, unindo a comunidade, organizando eventos para arrecadar fundos para melhoria de cada espaço, contando também com as participações de grupos parceiros.
A Ouvidor 63 oferece o circo social, sem fins lucrativos, com o coletivo 6/12 que trabalha nas favelas e ocupações de São Paulo com apresentações circenses e também intervenções artísticas em marchas de protesto no movimento por moradia. Um dos reflexos desses movimentos de contracultura foi na ditadura, uma cultura que de fato foi estabelecida por um regime militar, causava desacordo por parte da população que era constantemente perseguida por seus modos de atuar diante de uma cultura imposta de forma autoritária.
Em março de 1968, em plena ditadura no Brasil, Edson Luís de Lima Souto, 17 anos, foi baleado pela polícia que invadiu o restaurante Calabouço, frequentado por estudantes. Em sua missa de sétimo dia, uma passeata de 50 mil pessoas, assediadas por sucessivas cargas de cavalaria militar, transformou o Rio em uma praça de guerra. A revolta se espalharia por centros universitários em diversas cidades pelo país afora, e resultou em dezenas de presos, feridos, baleados e mais mortes.
Em 26 de julho do mesmo ano, a Marcha dos Cem Mil no Rio de Janeiro contou com o apoio de intelectuais, artistas, padres, professores, pais e mães. No mês de outubro, em São Paulo, na Maria Antônia, ocorreu a morte do secundarista José Guimarães, baleado na cabeça. Ainda em outubro, 720 estudantes foram presos em Ibiúna, em um congresso da União Nacional dos Estudantes (UNE).
A partir desses eventos no Brasil, cria-se uma resistência muito significativa contra a cultura vigente, transformando a cada dia mais pessoas fora dos sistemas de alienação, artistas que expressam as injustiças sociais em suas performances, músicas, concertos, que estimulam o sentimento de liberdade.

Viva o Circo, foto no teatro La Mimo, Foto: Sol Emanuel Calderón.
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