Memorial da Resistência
Exposição no Memorial da Resistência: como apresentar em um museu a história e a existência da Ouvidor 63?
(Ano)
2023
(Descrição)
memorial da resistência

memorial da
resistência
Exposição no Memorial da Resistência: como apresentar em um museu a história e a existência da Ouvidor 63?
Em maio de 2022, a Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) entrou em contato com o Memorial da Resistência para uma possível exposição sobre a ocupação Ouvidor 63, fruto de projeto de pesquisa que estava sendo apresentado para concorrer no edital Fapesp LinCAr Abordagens Inovadoras em Linguagem, Comunicações e/ou Artes, tendo como pesquisador responsável o Prof. Pedro Fiori Arantes, do Departamento de História da Arte. A coordenadora do Memorial, museu da Secretaria de Cultura e Economia Criativa do Governo do Estado de São Paulo, Ana Pato enviou carta de apoio e declarou que o Memorial “tem interesse em receber em seu espaço a exposição prevista”.
Em dezembro de 2022 saiu o resultado do Edital e foi selecionado o nosso “Projeto Ocupações: Arte, espaço e reinvenção da vida cotidiana a partir da ocupação cultural ‘Ouvidor 63’ em São Paulo”, do qual atualmente participam sete pesquisadores, dos quais três são artistas-moradores da Ouvidor. O projeto prevê a pesquisa-ação participante em colaboração com os artistas-moradores em todas as suas etapas.
Em abril de 2023, já com a pesquisa Fapesp LinCAr instalada, o grupo de pesquisadores apresentou uma primeira proposta, como “pontapé inicial”, intitulada “Habitar a cultura: ocupar, resistir, imaginar, criar, documentar…”. A proposta foi bem recebida pelo Memorial e fomos convidados para uma reunião em julho de 2023 e outra em dezembro, quando recebemos as orientações e o prazo para envio de uma proposta mais detalhada para a exposição, com a previsão da exposição para setembro a dezembro de 2025.
A partir de então passamos a trabalhar num projeto mais detalhado da exposição, envolvendo mais artistas, que foram convidados nas Assembleias Gerais realizadas nas segundas-feiras. Fizemos diversas reuniões na ocupação Ouvidor 63 entre dezembro de 2023 e março de 2024, das quais participaram mais de dez artistas-moradores, dois estudantes e um professor da Unifesp.


Reuniões entre dezembro de 2023 e março de 2024 para desenvolvimento da proposta da exposição no Memorial da Resistência. Fotos: Pedro Arantes.
Adotamos uma metodologia participativa desde o princípio, com rodas de conversas mais livres, propostas de palavras-geradoras que fossem significativas das identidades, das práticas e do modo de vida na Ouvidor, para definição de eixos organizadores para os temas recorrentes (como se verá no texto da proposta apresentada a seguir).



Reuniões para desenvolvimento da proposta da exposição no Memorial da Resistência. Fotos: Pedro Arantes.
À medida que a proposta avançava, nos subdividimos em grupos de trabalho (texto, expografia, programação) e instalamos um projetor para apresentar os avanços de cada grupo e trocar impressões sobre as ideias que estavam sendo traçadas, construindo consensos. Foram surgindo os primeiros esboços de como ocupar o espaço disponibilizado pelo Memorial para a exposição. Aos poucos as ideias foram tomando forma expositiva.


Reuniões para desenvolvimento da proposta da exposição no Memorial da Resistência. Fotos: Pedro Arantes.
Propusemos, assim, uma curadoria e reflexões coletivas sobre a história da Ouvidor 63, que completou 10 anos de existência em 1º de maio de 2024. O documento final foi finalizado em março e entregue para a direção do Memorial, que recebeu muito positivamente e nos chamou para uma nova reunião de trabalho e refinamento, já com foco na captação e em detalhes da produção.



Reunião de trabalho e refinamento com a direção do Memorial. Fotos: Pedro Arantes.
Em dezembro de 2024, ainda no processo preparativo da exposição, a diretora Ana Pato e 12 membros da equipe técnica do Memorial da Resistência agendaram uma visita e passaram uma tarde conosco conhecendo a ocupação. A iniciativa foi importante tanto para os técnicos do museu conhecerem melhor a Ouvidor 63 e terem mais clara a materialidade da proposta e dos sujeitos que a formularam quanto para os artistas contarem por sua voz como é a ocupação e tirarem dúvidas para a exposição.






Visita da equipe técnica do Memorial à Ocupação. Fotos: Pedro Arantes.

Visita da equipe técnica do Memorial à Ocupação. Foto: Rose Steinmetz.
Reproduzimos a seguir a proposta entregue e aprovada pelo Memorial da Resistência. Ajustes, cortes e reprogramações são possíveis em função da captação de recursos em andamento e das condições de produção e expografia ao final. A exposição está programada para setembro de 2025.
PROJETO DE EXPOSIÇÃO NO MEMORIAL DA RESISTÊNCIA
Ouvidor 63: Habitar a Arte
História e vida na maior ocupação cultural da América Latina
Argumento
O que significa ocupar um edifício com propósitos de moradia e de produção artística simultaneamente? O que esse tipo de ocupação possibilita em termos de práticas artísticas e reinvenção da vida cotidiana? O que a experiência específica das ocupações de São Paulo nos dizem sobre as ocupações em geral e sua história? O que podemos aprender mergulhando em uma experiência singular em curso, a da Ocupação Cultural Ouvidor 63, e quais elementos podem ser dali extraídos para pensar as práticas imaginativas contemporâneas em sua batalha por produzir modos de vida que sejam indissociáveis da produção de uma dimensão estética e ética, em contextos colaborativos e autogestionários?
A Ocupação Ouvidor 63 é um espaço de resistência urbana, política e cultural, que tem uma história rica e complexa, com diversas camadas e trajetórias que se cruzam. Desde a ocupação, em 2014, do antigo prédio abandonado da Secretaria de Cultura, com 13 andares, na Rua do Ouvidor, este tem sido um lugar de resistência, criação e reinvenção da relação arte-vida. Cerca de 100 artistas, metade deles de outros países vizinhos, vivem nesta que é reconhecida como “a maior ocupação cultural da América Latina”.
Nos 13 andares do prédio, subsolo e terraço, nós artistas habitamos em um centro cultural comunitário, auto-organizado tanto por andares de “afinidades” e projetos em comum quanto globalmente, com a assembleia geral semanal. Em todo o prédio, dormitórios, cozinhas e banheiros compartilhados estão ao lado de ateliês, estúdios, espaços de ensaio, exposições, biblioteca, jardins, plantas e o teatro La Mimo. Nesse sentido, diferentemente das ocupações dos movimentos de moradia, mas compartilhando a necessidade de morar, nós artistas da Ouvidor 63 “habitamos a arte”. Com todos os significados que isso possa ter, literais e alegóricos, como forma de dar sentido à cultura como experiência visceral, de transitar por ela por diferentes meios, linguagens, sujeitos, aprendizados e obras coletivas.
Trata-se de uma ocupação incomum, de moradia e arte, um centro cultural que nasce a partir da definição de uma comunidade de existências e experiências compartilhadas. Um centro cultural que não é estatal nem privado, é autogerido e baseado em trocas, solidariedades, afetos e práticas de reinvenção da cotidianidade. É, por isso, também, uma escola internacional e livre de artes, um espaço onde corpos insurgentes realizam exercícios estéticos e políticos decoloniais, afro-indígenas-latino-americanos. Exploramos outros mundos possíveis em todos os lugares. Ocupamos não apenas o nosso prédio, mas também as ruas e as esquinas, as praças, os metrôs, as periferias. Somos artistas das ruas, somos artistas itinerantes, irreverentes e insurgentes.
As noções de tempo e espaço lineares, ocidentais, cartesianos e coloniais estão colocadas em xeque. A exploração espaço-temporal envolve outras relações, circulares, espirais, de ancestralidade, de futuros presentes no passado, de temporalidades mágicas e espirituais. São tempos lentos, não submetidos à lógica da troca mercantil, mas da profunda escuta dos ritmos do corpo e da mente, do coletivo e de indivíduos livres. O tempo-espaço é espiralar como a própria escadaria que dá acesso aos 13 andares do prédio e seu subsolo. Em cada pavimento abre-se uma porta e suas temporalidades, linguagens, obras e imaginações coletivas de uma comunidade visceral e colaborativa, que explora as fronteiras da existência, num jogo lúdico e sério de arte, vida, resistência e invenção.
Como contar nossa história em uma exposição no Memorial da Resistência, um museu dedicado às histórias de luta do povo brasileiro, pela democracia, pela liberdade e pela igualdade? Como contar essa história agora que nossa zona de autonomia completa 10 anos e se consolida, mas não quer se congelar? E, ao mesmo tempo, escrevemos esta proposta de exposição com o Governo do Estado nos ameaçando de despejo. Estamos em risco, mas o risco é parte da nossa história. Estamos em estado de liberdade, mas ela tem um custo na sociedade em que vivemos, e precisa sempre ser defendida.
Na exposição, nossa forma de narrar deve ser coerente com nossa visão e experiência do tempo espaço. É não linear, é espiral, é material e espiritual, é de sobrevivência e de transcendência. É uma história que contaremos de forma não exatamente cronológica, mas de um tempo histórico de múltiplas camadas, que se sobrepõem e se retroalimentam, temporalidades curtas e longas, memórias e saberes ancestrais articulados com a instantaneidade digital de uma metrópole global. É esse transe/trânsito no tempo que alimentará a forma de contar nossa existência para o público. A arte torce o tempo linear fazendo-os produzir temporalidades cruzadas e simultâneas.
Utilizaremos também a luz negra em alguns ambientes como forma de trazer à vista o que está oculto (à vista e socialmente). Jota Mombaça e Musa Michelle Mattiuzzi, no texto Carta à leitora preta do fim dos tempos, reconhecem o poder da luz negra como reveladora de histórias, corpos e saberes invisibilizados:
A luz negra postulada na forma generativa, um conhecimento que demanda outras ferramentas para ser apreendido. A luminosidade da luz negra revela o que está oculto, transparente em conformidade com a norma. Trazer esse pensamento nos tempos de hoje é um exercício de experimentação sobre o fazer futuro e o mundo; uma experimentação implicada nos rastros para a ancestralidade. (p. 15)
Para além da luz negra em si, como dispositivo luminotécnico e óptico, nossa exposição pretende lançar uma luz negra sobre as histórias das ocupações em nosso país e dos espaços de invenção de novos modos de vida, aquilombamentos urbanos e outros futuros, que nos conectem com ancestralidades e com utopias. A exposição sobre a maior ocupação cultural da América Latina pretende criar esse efeito de revelação, surpresa, inspiração e luta, que a luz negra proporciona. Contará nossas histórias na Ouvidor 63, mas, além disso, quer lançar o público diante do dilema e do desafio de atravessar o portão de um prédio abandonado, de ocupar, resistir, imaginar e criar outros mundos possíveis. Vivenciar nosso exercício de re-existência e de experimentação concreta, possível e necessária, e estimular ao menos naqueles que se indignam com a injustiça, o racismo, a desigualdade e a brutalidade a que somos submetidos estruturalmente e no dia a dia pela ordem social, policial e capitalista.
Fios narrativos
O que nos caracteriza é um certo jeito de articular arte, vida cotidiana e política. É isso que tentaremos contar entrelaçando quatro fios narrativos:
Quem somos?
Como fazemos arte?
Como a arte afeta a vida?
E nossa forma de fazer política?
Quem somos?
Ainda de forma exploratória, em rodas de conversa geramos algumas palavras-significativas que podem nos definir e que apresentaremos não apenas na forma escrita, mas mobilizando um conjunto de dispositivos audiovisuais, cênicos e performáticos.
Somos artistas, ocupantes, moradores, inventores, pesquisadores…
Para nós não há uma separação entre arte e vida, nem entre moradia e ateliê/estúdio.
Nosso jeito de fazer arte e de viver é o que fala por nós.
Somos fruto de lutas históricas e internacionais, contraculturais, antissistêmicas.
Nossa identidade não é fixa, está sempre em movimento, envolve trocas, transformações, renovações.
Somos diversos em nossos corpos, saberes, técnicas e estéticas.
Somos várias (re)existências e várias lutas.
Somos internacionalistas, itinerantes, híbridos.
Viemos de várias origens, culturas, línguas, trajetórias, e todos chegamos a um ponto: a Ouvidor 63.
Existe uma força/energia que nos atrai e nos conecta nesse lugar.
Somos parte integrante de um prédio vivo, nosso corpo coletivo.
Somos uma grande família e abolimos a família tradicional e patriarcal.
Geramos redes de apoio comunitárias.
Somos contra a propriedade privada.
Vivemos no coletivo, nossa ocupação é de todes, ninguém é dono de nada.
Somos artistas das ruas e temos orgulho disso.
Ressignificamos o lixo da metrópole, na reciclagem de matérias e de ideias.
Quem passa pela Ouvidor 63 se transforma, é um marco em nossas vidas, um antes e depois.
Como fazemos arte?
É indissociável nossa relação entre arte, vida e política, há uma circularidade, tudo se conecta, um gera o outro, como no símbolo de reciclar. Mas vamos desenvolver um pouco cada elemento de forma separada para poder aprofundar. Na proposta expositiva essas dimensões estarão articuladas.
A arte para nós não é uma esfera separada, é parte da própria existência.
O que chamamos de arte aqui? Mais um modo de vida do que obras físicas.
Essa visão nos conecta a vários povos e ancestralidades que integram arte e vida.
Há artistas aqui de várias linguagens, mas elas estão permanentemente se interligando, hibridizando e vamos aprendendo de tudo.
A Ouvidor é uma Escola livre de artes, um espaço de aprendizagem através de diálogo, experimentação e troca horizontal.
Nosso jeito de fazer as coisas é pelo convívio e pelo acolhimento.
Fazemos oficinas gratuitas, ateliês livres, circo social, sem cobrar por isso.
Nosso saber artístico não se vende.
As obras sim, podem ser vendidas, mas nós não estamos à venda.
Temos menos dependência econômica que outros artistas, não temos o peso de um aluguel, por exemplo, o que aumenta nossa liberdade.
Experimentamos um sonho, um mundo ideal e possível.
Nossa arte é socialmente engajada com as lutas, com as minorias, contra o sistema.
Ressignificamos cotidianamente o que é arte, o modo de fazê-la, de ensiná-la, de fruí-la.
Como a arte afeta a vida?
Estar nessa ocupação é uma necessidade e uma escolha. Um problema e uma vontade. Envolve riscos diversos, ameaças e o peso permanente do despejo. Ao mesmo tempo, é um espaço mais comunitário e livre das pressões capitalistas por trabalho assalariado e aluguel. A precariedade é também liberdade.
Morar numa ocupação de 13 andares com 100 moradores é um exercício de vida em comunidade.
Vivemos em um espaço cultural, que é um lugar de trabalho, aprendizado e fruição.
Vivemos em um espaço que também é público e aberto.
Recebemos gente de todos os lugares, estamos sempre acolhendo artistas itinerantes e independentes, com ideias criativas, vontade de trabalhar, ensinar e aprender.
Quem vem morar aqui não é dono de nada, não tem espaço fixo de ninguém.
Podemos circular pelos andares, morar com coletivos diferentes, aprender linguagens diferentes.
Criamos crianças em comunidade, dando apoio a mães e pais.
Temos espaços seguros para as crianças, mulheres e comunidade LGBTQIAP+
Temos dinâmicas coletivas, grupos de trabalho, assembleia comunitária, aprendemos a fazer acordos e decidir por consenso.
Nosso prédio é um organismo vivo, tudo muda constantemente, as pessoas, os andares e o visual.
Nos organizamos em mutirão para os reparos do dia a dia, para dividir a comida, para compartilhar equipamentos, para lavar a escadaria etc.
Fazemos de tudo, inclusive a “arte da manutenção predial”: elétrica, hidráulica, alvenaria, limpeza e ferramentas técnicas.
Exercemos a moradia artística, nossa casa-ateliê-coletivo é um livro aberto, escrito por muitas mãos.
Temos animais, plantas, horta coletiva vertical, em coexistência conosco.
Ninguém vive só para si, fazemos coisas com e para a comunidade.
Há conflitos que são mediados, de forma restaurativa e conciliatória, evitando o punitivismo.
E nossa forma de fazer política?
Como tomamos decisões coletivas e horizontais? Quais são as estratégias de políticas internas e externas da ocupação? Como funcionam as divisões de tarefas e autonomias pelos andares? Como nos organizamos frente às ameaças de reintegração de posse pelo Estado?
Temos espaços de decisão em cada andar e uma assembleia geral semanal do prédio.
Criamos uma associação para dialogar com instituições, universidades e com o Estado.
Participamos de fóruns de lutas, mantemos diálogos com outros movimentos e ocupações, mandatos parlamentares e ONGs.
Os espaços de discussão e deliberação são democráticos e abertos a todos os moradores e eventuais convidados ou novos interessados em ingressar no prédio.
Temos permanentemente que aprender a viver em coletivo, resolver conflitos, saber apresentar os pontos de vista, debater, criar empatia e solidariedade.
A relação com o Estado é instável, ora de parceria, ora de ameaças.
Contamos com uma rede de apoiadores e um advogado parceiro para nossa defesa.
Vivemos situações de tensão, por vezes de caos e precariedade; os moradores aqui sofrem lá fora vários tipos de violência que, por vezes, emergem aqui dentro, não é simples a democracia nesses contextos, temos sempre que ressignificar.
Criamos nossas próprias regras de convivência, acordos e justiça restaurativa.
Temos sempre o cuidado de reconstrução de vínculos afetivos, com corpos que sofrem muitos tipos de violência na nossa sociedade.
O Coletivo das Minas é muito atuante e tem seus métodos de resolução de conflitos, acolhimento, espaço seguro e desconstrução do machismo.
Nossa política abarca outras cosmovisões, diálogos com os povos originários e negros, energia e espiritualidade.
Somos visíveis por parte da sociedade como alvo de estigmatização e invisibilizados por não estarmos no “padrão” normativo, mesmo assim, somos reconhecidos por muitos (universidades, SESC, museus, outros movimentos etc.).
Nossa forma de atuar é apartidária e não eleitoral, mas não apolítica; ao contrário, é profundamente política.
A Ouvidor é aberta, não se fecha ao mundo, tem um caráter internacionalista, conectado com muitas lutas e grupos em todas as partes.
Por fim: para conhecer a Ouvidor, viva a Ouvidor, venha estar conosco!
Os 4 fios narrativos são importantes para a escolha de obras, vídeos e áudios, objetos, documentos e textos de parede que serão apresentados na exposição. Não constituem núcleos temáticos ou curatoriais estanques, mas se cruzarão em todos os espaços, como apresentaremos a seguir.
Expografia: conceito e proposta preliminar
Queremos que o público entre em contato com espaços que o aproximem da experiência de estar na Ouvidor 63. Por isso, há uma dimensão imersiva e sugerimos um percurso por espaços simbólicos da ocupação, que apresentarão os fios narrativos de nossa proposta curatorial. Tratando-se de um museu eminentemente de história, buscaremos equilibrar a dimensão experiencial/imersiva com a informativa/documental. Pretendemos contar a história por meio de espaços representativos e também de material informativo, textos, fotos, vídeos, testemunhos, panfletos, cartazes, tags, minibiblioteca etc. Nossa maneira de contar nossa história será ao mesmo tempo artística e sensorial, documental e política, envolvendo testemunhos e performances. A metodologia, além do percurso sugerido, pressupõe oficinas, apresentações, debates e mediações, permitindo ao visitante também atuar, quando amparado pelo educativo e pelos artistas, e acompanhar as atividades propostas.
Na chegada ao nosso espaço, o público é recebido no ambiente de “rua”, com grafites, um barril com uma televisão que passará o vídeo do momento histórico de entrada no prédio, com som dirigido ao visitante dos gritos de “entra, entra aí” (na ocupação e na exposição). No mesmo espaço ainda temos um painel feito de material reciclado com o nome Centro Cultural Ouvidor 63, uma parede pintada pelos artistas e o portão parecido ao que existia, com uma corrente, um alicate gigante e um pé de cabra ao lado. Depois de ser impactado pelo vídeo, o visitante atravessa o portão e passa a ser também um ocupante (da exposição).
Na portaria, temos uma mesa com um livro de visitantes (como temos na ocupação) e nas paredes o registro histórico-fotográfico da Ouvidor, um texto de contextualização e infográficos apresentando a nossa trajetória (informações básicas). É o local onde estará uma grande maquete do prédio, de acrílico, com os andares coloridos dentro indicando os espaços de arte e suas linguagens.
Em seguida, o visitante poderá escolher dois caminhos: direto para o salão principal ou entrar no “quarto”. Nesse quarto cenográfico, que simula os da nossa ocupação, será abordado o direito à moradia, nossa vida cotidiana, nosso vestuário, nossa intimidade e as condições de permanência. Funcionará com modo luz negra e com modo luz branca (5 minutos cada um, por exemplo), com dois tipos de informações trazidas à vista pela luz. Teremos no quarto colchonetes e pufes para o visitante poder se deitar, se acomodar e assistir, no teto, uma projeção de vídeos captados com câmera panorâmica em nossos quartos, contando as nossas formas de usá-los (momento luz negra). Esse é o espaço mais íntimo, mas que também é um ateliê, como é na ocupação (e que pode ser usado para atividades do educativo), com uma mesa de luz, uma prateleira com espaço para colocar os colchonetes enrolados e travesseiros, manequins apresentando nossa atitude política com as roupas diferentes do comum, quando podemos falar de nosso brechó, dos corpos indóceis (não padrão) e das pessoas que atuam com figurinos. Quando a luz branca estiver acesa, passaremos vídeos históricos em cinco pequenos televisores sobre o dia a dia, reformas de manutenção etc., e um áudio com um texto narrado por nós contextualizando as imagens enquanto são mostradas.

Planta esquemática da organização do espaço e núcleos temáticos.
No salão principal, o piso apresenta um mapa-múndi para tratar de nosso internacionalismo, itinerância, cosmopolitismo. O mapa será composto por tipografia de palavras significativas para a Ouvidor e desenhos das trajetórias dos artistas representados, por onde passaram até chegarem na ocupação. Usando o conceito de circularidade, vamos pendurar tecidos e molduras desde o teto, e os visitantes deverão caminhar ao redor dessas obras, olhando-as de ambos os lados. Em outra parte do salão, ainda sobre o mapa, teremos uma mesa de vidro multiúso (onde será possível sentar e ler um livro da biblioteca, por exemplo) para apresentação de material gráfico ou ativação artística, apoio à cozinha, rodeada de banquinhos móveis.
Em um dos cantos do salão teremos outro espaço de vida cotidiana, a “cozinha”, onde será instalado um televisor contando nosso projeto do Recicle, um carrinho que usamos para a coleta de alimentos, limpeza e preparo, além de textos e fotos representando a partilha, o combate à fome, a economia solidária e as diferentes culturas gastronômicas que se encontram na Ouvidor. Teremos pia, armário, fogão, geladeira da ocupação, panelas penduradas, latinhas, pratos etc. Não será uma cozinha funcional, apenas cenográfica, de forma que mostre a tipologia de cozinhas da ocupação, como mote para falarmos da alimentação comunitária, étnica e com reciclagem.
Seguindo pelo salão, teremos o espaço da “biblioteca”, também remetendo à nossa biblioteca da ocupação, com cadeiras e estantes e uma seleção de nossos livros e pesquisas feitas sobre a Ouvidor, da pesquisa Fapesp-Unifesp que estamos desenvolvendo. A mesa central circular pode servir de apoio a quem precisar. Ao lado, haverá um espaço chamado “ouvir ouvidor”, com um orelhão reciclado, em que o visitante escuta uma coletânea de áudios de ruídos ambientais da ocupação, como sonoridades da rua, do terminal de ônibus, galera fazendo um som, de manutenção predial, da bomba de água, das cozinhas, malabares, conversas distorcidas de reuniões, cachorros latindo, crianças brincando etc. É uma experiência sonora-sensorial, complementar aos áudios dos testemunhos, do outro lado do salão (ver mais adiante).
Ao lado da entrada para o educativo, ainda no salão principal, teremos a simulação da nossa escada caracol, que é identitária da Ouvidor, e representa nossa noção de tempo-espaço e arte cinética. Será reproduzida com uma vídeo instalação sobre uma escada cenográfica, mostrando o percurso de subida, grafites nas paredes, pessoas circulando, os andares, em movimento espiral contínuo. Faremos isso com o mapping de efeito de profundidade em 3D com um projetor digitalmente programado. Ninguém precisará subir uma escada real.
No salão principal há também um piso/lona semicircular, sugerindo um pequeno picadeiro de circo e apresentações em praça pública, ficará encostado na parede de fundo, na qual teremos imagens, lambes com fotos da história das artes de palco na Ouvidor, nosso projeto do Circo Social, variétés, entre outros. Serão instalados também trilhos para cortina, para os dias de performance.
Ao lado do palco teremos o acervo testemunhal das pessoas contando sua história de vida e na Ouvidor com fones para três pessoas e banquinhos. Estamos coletando esses depoimentos já há algum tempo e aumentamos a coleta com a pesquisa Fapesp.
Nas paredes do salão teremos a oportunidade de apresentar nossas linguagens artísticas e eventos por meio de textos e infográficos, fotos em diversos formatos (ampliadas e emolduradas), objetos (como um soundsystem, uma maquete do projeto motor-humano).
Em três lugares da exposição o público poderá pegar cartazes e lambes para levar para casa, produzidos especialmente para a ocasião.
As atividades com o educativo serão coordenadas com os artistas da ocupação, prevendo rodas de conversas, oficinas relâmpago, oficinas de maior duração, pocket shows etc. Para isso, seria importante poder contar com o espaço do educativo também para ateliês e conversas.
Programação de atividades e apresentações
A exposição contará com uma participação ativa de artistas-moradores, pesquisadores do projeto Unifesp/Fapesp/Ouvidor e apoiadores convidados da Ouvidor 63.
As formas de participação dos artistas e convidados ocorrerão nas seguintes modalidades:
Mediação: em colaboração com o Educativo do Memorial, mantendo um plantão por dia, com diferentes artistas-moradores em diálogo com o público.
Pocket shows: apresentações artísticas pequenas e de curta duração ao longo do dia (o mesmo grupo que estiver naquele dia fará cerca de três intervenções no momento de maior chegada de público e escolas), em diferentes linguagens. Há um rodízio planejado para as apresentações, uma vez por semana, alternando as linguagens. Para isso, faremos uso do palco proposto, ou outros espaços apropriados e autorizados no edifício.
Oficinas com rodas de conversa: serão duas tardes de oficinas por mês, com diferentes temas e linguagens, em data a ser programada com o museu. Os artistas oficineiros farão uma conversa, além da atividade prática, entremeando momentos de reflexão, discussão e execução. Para isso utilizaremos preferencialmente o espaço do Educativo, como Ateliê, prevendo um público de até 30 pessoas.
Palestras e projeções de filmes: com convidados no Auditório do edifício, prevendo um público de até 100 pessoas. As palestras serão cadastradas como atividades acadêmicas pela Unifesp e serão fornecidos certificados aos participantes.
Ações de comunicação nas redes sociais: com postagens e vídeos, divulgando a exposição e a programação, atividade essencial para o sucesso de público e mídia.
Registro histórico: também faremos a documentação das performances, oficinas, debates, visitação do público, gerando um pequeno documentário no final.
Memorial da Resistência
Exposição no Memorial da Resistência: como apresentar em um museu a história e a existência da Ouvidor 63?
(Ano)
2023
(Descrição)
memorial da resistência

memorial da
resistência
Exposição no Memorial da Resistência: como apresentar em um museu a história e a existência da Ouvidor 63?
Em maio de 2022, a Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) entrou em contato com o Memorial da Resistência para uma possível exposição sobre a ocupação Ouvidor 63, fruto de projeto de pesquisa que estava sendo apresentado para concorrer no edital Fapesp LinCAr Abordagens Inovadoras em Linguagem, Comunicações e/ou Artes, tendo como pesquisador responsável o Prof. Pedro Fiori Arantes, do Departamento de História da Arte. A coordenadora do Memorial, museu da Secretaria de Cultura e Economia Criativa do Governo do Estado de São Paulo, Ana Pato enviou carta de apoio e declarou que o Memorial “tem interesse em receber em seu espaço a exposição prevista”.
Em dezembro de 2022 saiu o resultado do Edital e foi selecionado o nosso “Projeto Ocupações: Arte, espaço e reinvenção da vida cotidiana a partir da ocupação cultural ‘Ouvidor 63’ em São Paulo”, do qual atualmente participam sete pesquisadores, dos quais três são artistas-moradores da Ouvidor. O projeto prevê a pesquisa-ação participante em colaboração com os artistas-moradores em todas as suas etapas.
Em abril de 2023, já com a pesquisa Fapesp LinCAr instalada, o grupo de pesquisadores apresentou uma primeira proposta, como “pontapé inicial”, intitulada “Habitar a cultura: ocupar, resistir, imaginar, criar, documentar…”. A proposta foi bem recebida pelo Memorial e fomos convidados para uma reunião em julho de 2023 e outra em dezembro, quando recebemos as orientações e o prazo para envio de uma proposta mais detalhada para a exposição, com a previsão da exposição para setembro a dezembro de 2025.
A partir de então passamos a trabalhar num projeto mais detalhado da exposição, envolvendo mais artistas, que foram convidados nas Assembleias Gerais realizadas nas segundas-feiras. Fizemos diversas reuniões na ocupação Ouvidor 63 entre dezembro de 2023 e março de 2024, das quais participaram mais de dez artistas-moradores, dois estudantes e um professor da Unifesp.


Reuniões entre dezembro de 2023 e março de 2024 para desenvolvimento da proposta da exposição no Memorial da Resistência. Fotos: Pedro Arantes.
Adotamos uma metodologia participativa desde o princípio, com rodas de conversas mais livres, propostas de palavras-geradoras que fossem significativas das identidades, das práticas e do modo de vida na Ouvidor, para definição de eixos organizadores para os temas recorrentes (como se verá no texto da proposta apresentada a seguir).



Reuniões para desenvolvimento da proposta da exposição no Memorial da Resistência. Fotos: Pedro Arantes.
À medida que a proposta avançava, nos subdividimos em grupos de trabalho (texto, expografia, programação) e instalamos um projetor para apresentar os avanços de cada grupo e trocar impressões sobre as ideias que estavam sendo traçadas, construindo consensos. Foram surgindo os primeiros esboços de como ocupar o espaço disponibilizado pelo Memorial para a exposição. Aos poucos as ideias foram tomando forma expositiva.


Reuniões para desenvolvimento da proposta da exposição no Memorial da Resistência. Fotos: Pedro Arantes.
Propusemos, assim, uma curadoria e reflexões coletivas sobre a história da Ouvidor 63, que completou 10 anos de existência em 1º de maio de 2024. O documento final foi finalizado em março e entregue para a direção do Memorial, que recebeu muito positivamente e nos chamou para uma nova reunião de trabalho e refinamento, já com foco na captação e em detalhes da produção.



Reunião de trabalho e refinamento com a direção do Memorial. Fotos: Pedro Arantes.
Em dezembro de 2024, ainda no processo preparativo da exposição, a diretora Ana Pato e 12 membros da equipe técnica do Memorial da Resistência agendaram uma visita e passaram uma tarde conosco conhecendo a ocupação. A iniciativa foi importante tanto para os técnicos do museu conhecerem melhor a Ouvidor 63 e terem mais clara a materialidade da proposta e dos sujeitos que a formularam quanto para os artistas contarem por sua voz como é a ocupação e tirarem dúvidas para a exposição.






Visita da equipe técnica do Memorial à Ocupação. Fotos: Pedro Arantes.

Visita da equipe técnica do Memorial à Ocupação. Foto: Rose Steinmetz.
Reproduzimos a seguir a proposta entregue e aprovada pelo Memorial da Resistência. Ajustes, cortes e reprogramações são possíveis em função da captação de recursos em andamento e das condições de produção e expografia ao final. A exposição está programada para setembro de 2025.
PROJETO DE EXPOSIÇÃO NO MEMORIAL DA RESISTÊNCIA
Ouvidor 63: Habitar a Arte
História e vida na maior ocupação cultural da América Latina
Argumento
O que significa ocupar um edifício com propósitos de moradia e de produção artística simultaneamente? O que esse tipo de ocupação possibilita em termos de práticas artísticas e reinvenção da vida cotidiana? O que a experiência específica das ocupações de São Paulo nos dizem sobre as ocupações em geral e sua história? O que podemos aprender mergulhando em uma experiência singular em curso, a da Ocupação Cultural Ouvidor 63, e quais elementos podem ser dali extraídos para pensar as práticas imaginativas contemporâneas em sua batalha por produzir modos de vida que sejam indissociáveis da produção de uma dimensão estética e ética, em contextos colaborativos e autogestionários?
A Ocupação Ouvidor 63 é um espaço de resistência urbana, política e cultural, que tem uma história rica e complexa, com diversas camadas e trajetórias que se cruzam. Desde a ocupação, em 2014, do antigo prédio abandonado da Secretaria de Cultura, com 13 andares, na Rua do Ouvidor, este tem sido um lugar de resistência, criação e reinvenção da relação arte-vida. Cerca de 100 artistas, metade deles de outros países vizinhos, vivem nesta que é reconhecida como “a maior ocupação cultural da América Latina”.
Nos 13 andares do prédio, subsolo e terraço, nós artistas habitamos em um centro cultural comunitário, auto-organizado tanto por andares de “afinidades” e projetos em comum quanto globalmente, com a assembleia geral semanal. Em todo o prédio, dormitórios, cozinhas e banheiros compartilhados estão ao lado de ateliês, estúdios, espaços de ensaio, exposições, biblioteca, jardins, plantas e o teatro La Mimo. Nesse sentido, diferentemente das ocupações dos movimentos de moradia, mas compartilhando a necessidade de morar, nós artistas da Ouvidor 63 “habitamos a arte”. Com todos os significados que isso possa ter, literais e alegóricos, como forma de dar sentido à cultura como experiência visceral, de transitar por ela por diferentes meios, linguagens, sujeitos, aprendizados e obras coletivas.
Trata-se de uma ocupação incomum, de moradia e arte, um centro cultural que nasce a partir da definição de uma comunidade de existências e experiências compartilhadas. Um centro cultural que não é estatal nem privado, é autogerido e baseado em trocas, solidariedades, afetos e práticas de reinvenção da cotidianidade. É, por isso, também, uma escola internacional e livre de artes, um espaço onde corpos insurgentes realizam exercícios estéticos e políticos decoloniais, afro-indígenas-latino-americanos. Exploramos outros mundos possíveis em todos os lugares. Ocupamos não apenas o nosso prédio, mas também as ruas e as esquinas, as praças, os metrôs, as periferias. Somos artistas das ruas, somos artistas itinerantes, irreverentes e insurgentes.
As noções de tempo e espaço lineares, ocidentais, cartesianos e coloniais estão colocadas em xeque. A exploração espaço-temporal envolve outras relações, circulares, espirais, de ancestralidade, de futuros presentes no passado, de temporalidades mágicas e espirituais. São tempos lentos, não submetidos à lógica da troca mercantil, mas da profunda escuta dos ritmos do corpo e da mente, do coletivo e de indivíduos livres. O tempo-espaço é espiralar como a própria escadaria que dá acesso aos 13 andares do prédio e seu subsolo. Em cada pavimento abre-se uma porta e suas temporalidades, linguagens, obras e imaginações coletivas de uma comunidade visceral e colaborativa, que explora as fronteiras da existência, num jogo lúdico e sério de arte, vida, resistência e invenção.
Como contar nossa história em uma exposição no Memorial da Resistência, um museu dedicado às histórias de luta do povo brasileiro, pela democracia, pela liberdade e pela igualdade? Como contar essa história agora que nossa zona de autonomia completa 10 anos e se consolida, mas não quer se congelar? E, ao mesmo tempo, escrevemos esta proposta de exposição com o Governo do Estado nos ameaçando de despejo. Estamos em risco, mas o risco é parte da nossa história. Estamos em estado de liberdade, mas ela tem um custo na sociedade em que vivemos, e precisa sempre ser defendida.
Na exposição, nossa forma de narrar deve ser coerente com nossa visão e experiência do tempo espaço. É não linear, é espiral, é material e espiritual, é de sobrevivência e de transcendência. É uma história que contaremos de forma não exatamente cronológica, mas de um tempo histórico de múltiplas camadas, que se sobrepõem e se retroalimentam, temporalidades curtas e longas, memórias e saberes ancestrais articulados com a instantaneidade digital de uma metrópole global. É esse transe/trânsito no tempo que alimentará a forma de contar nossa existência para o público. A arte torce o tempo linear fazendo-os produzir temporalidades cruzadas e simultâneas.
Utilizaremos também a luz negra em alguns ambientes como forma de trazer à vista o que está oculto (à vista e socialmente). Jota Mombaça e Musa Michelle Mattiuzzi, no texto Carta à leitora preta do fim dos tempos, reconhecem o poder da luz negra como reveladora de histórias, corpos e saberes invisibilizados:
A luz negra postulada na forma generativa, um conhecimento que demanda outras ferramentas para ser apreendido. A luminosidade da luz negra revela o que está oculto, transparente em conformidade com a norma. Trazer esse pensamento nos tempos de hoje é um exercício de experimentação sobre o fazer futuro e o mundo; uma experimentação implicada nos rastros para a ancestralidade. (p. 15)
Para além da luz negra em si, como dispositivo luminotécnico e óptico, nossa exposição pretende lançar uma luz negra sobre as histórias das ocupações em nosso país e dos espaços de invenção de novos modos de vida, aquilombamentos urbanos e outros futuros, que nos conectem com ancestralidades e com utopias. A exposição sobre a maior ocupação cultural da América Latina pretende criar esse efeito de revelação, surpresa, inspiração e luta, que a luz negra proporciona. Contará nossas histórias na Ouvidor 63, mas, além disso, quer lançar o público diante do dilema e do desafio de atravessar o portão de um prédio abandonado, de ocupar, resistir, imaginar e criar outros mundos possíveis. Vivenciar nosso exercício de re-existência e de experimentação concreta, possível e necessária, e estimular ao menos naqueles que se indignam com a injustiça, o racismo, a desigualdade e a brutalidade a que somos submetidos estruturalmente e no dia a dia pela ordem social, policial e capitalista.
Fios narrativos
O que nos caracteriza é um certo jeito de articular arte, vida cotidiana e política. É isso que tentaremos contar entrelaçando quatro fios narrativos:
Quem somos?
Como fazemos arte?
Como a arte afeta a vida?
E nossa forma de fazer política?
Quem somos?
Ainda de forma exploratória, em rodas de conversa geramos algumas palavras-significativas que podem nos definir e que apresentaremos não apenas na forma escrita, mas mobilizando um conjunto de dispositivos audiovisuais, cênicos e performáticos.
Somos artistas, ocupantes, moradores, inventores, pesquisadores…
Para nós não há uma separação entre arte e vida, nem entre moradia e ateliê/estúdio.
Nosso jeito de fazer arte e de viver é o que fala por nós.
Somos fruto de lutas históricas e internacionais, contraculturais, antissistêmicas.
Nossa identidade não é fixa, está sempre em movimento, envolve trocas, transformações, renovações.
Somos diversos em nossos corpos, saberes, técnicas e estéticas.
Somos várias (re)existências e várias lutas.
Somos internacionalistas, itinerantes, híbridos.
Viemos de várias origens, culturas, línguas, trajetórias, e todos chegamos a um ponto: a Ouvidor 63.
Existe uma força/energia que nos atrai e nos conecta nesse lugar.
Somos parte integrante de um prédio vivo, nosso corpo coletivo.
Somos uma grande família e abolimos a família tradicional e patriarcal.
Geramos redes de apoio comunitárias.
Somos contra a propriedade privada.
Vivemos no coletivo, nossa ocupação é de todes, ninguém é dono de nada.
Somos artistas das ruas e temos orgulho disso.
Ressignificamos o lixo da metrópole, na reciclagem de matérias e de ideias.
Quem passa pela Ouvidor 63 se transforma, é um marco em nossas vidas, um antes e depois.
Como fazemos arte?
É indissociável nossa relação entre arte, vida e política, há uma circularidade, tudo se conecta, um gera o outro, como no símbolo de reciclar. Mas vamos desenvolver um pouco cada elemento de forma separada para poder aprofundar. Na proposta expositiva essas dimensões estarão articuladas.
A arte para nós não é uma esfera separada, é parte da própria existência.
O que chamamos de arte aqui? Mais um modo de vida do que obras físicas.
Essa visão nos conecta a vários povos e ancestralidades que integram arte e vida.
Há artistas aqui de várias linguagens, mas elas estão permanentemente se interligando, hibridizando e vamos aprendendo de tudo.
A Ouvidor é uma Escola livre de artes, um espaço de aprendizagem através de diálogo, experimentação e troca horizontal.
Nosso jeito de fazer as coisas é pelo convívio e pelo acolhimento.
Fazemos oficinas gratuitas, ateliês livres, circo social, sem cobrar por isso.
Nosso saber artístico não se vende.
As obras sim, podem ser vendidas, mas nós não estamos à venda.
Temos menos dependência econômica que outros artistas, não temos o peso de um aluguel, por exemplo, o que aumenta nossa liberdade.
Experimentamos um sonho, um mundo ideal e possível.
Nossa arte é socialmente engajada com as lutas, com as minorias, contra o sistema.
Ressignificamos cotidianamente o que é arte, o modo de fazê-la, de ensiná-la, de fruí-la.
Como a arte afeta a vida?
Estar nessa ocupação é uma necessidade e uma escolha. Um problema e uma vontade. Envolve riscos diversos, ameaças e o peso permanente do despejo. Ao mesmo tempo, é um espaço mais comunitário e livre das pressões capitalistas por trabalho assalariado e aluguel. A precariedade é também liberdade.
Morar numa ocupação de 13 andares com 100 moradores é um exercício de vida em comunidade.
Vivemos em um espaço cultural, que é um lugar de trabalho, aprendizado e fruição.
Vivemos em um espaço que também é público e aberto.
Recebemos gente de todos os lugares, estamos sempre acolhendo artistas itinerantes e independentes, com ideias criativas, vontade de trabalhar, ensinar e aprender.
Quem vem morar aqui não é dono de nada, não tem espaço fixo de ninguém.
Podemos circular pelos andares, morar com coletivos diferentes, aprender linguagens diferentes.
Criamos crianças em comunidade, dando apoio a mães e pais.
Temos espaços seguros para as crianças, mulheres e comunidade LGBTQIAP+
Temos dinâmicas coletivas, grupos de trabalho, assembleia comunitária, aprendemos a fazer acordos e decidir por consenso.
Nosso prédio é um organismo vivo, tudo muda constantemente, as pessoas, os andares e o visual.
Nos organizamos em mutirão para os reparos do dia a dia, para dividir a comida, para compartilhar equipamentos, para lavar a escadaria etc.
Fazemos de tudo, inclusive a “arte da manutenção predial”: elétrica, hidráulica, alvenaria, limpeza e ferramentas técnicas.
Exercemos a moradia artística, nossa casa-ateliê-coletivo é um livro aberto, escrito por muitas mãos.
Temos animais, plantas, horta coletiva vertical, em coexistência conosco.
Ninguém vive só para si, fazemos coisas com e para a comunidade.
Há conflitos que são mediados, de forma restaurativa e conciliatória, evitando o punitivismo.
E nossa forma de fazer política?
Como tomamos decisões coletivas e horizontais? Quais são as estratégias de políticas internas e externas da ocupação? Como funcionam as divisões de tarefas e autonomias pelos andares? Como nos organizamos frente às ameaças de reintegração de posse pelo Estado?
Temos espaços de decisão em cada andar e uma assembleia geral semanal do prédio.
Criamos uma associação para dialogar com instituições, universidades e com o Estado.
Participamos de fóruns de lutas, mantemos diálogos com outros movimentos e ocupações, mandatos parlamentares e ONGs.
Os espaços de discussão e deliberação são democráticos e abertos a todos os moradores e eventuais convidados ou novos interessados em ingressar no prédio.
Temos permanentemente que aprender a viver em coletivo, resolver conflitos, saber apresentar os pontos de vista, debater, criar empatia e solidariedade.
A relação com o Estado é instável, ora de parceria, ora de ameaças.
Contamos com uma rede de apoiadores e um advogado parceiro para nossa defesa.
Vivemos situações de tensão, por vezes de caos e precariedade; os moradores aqui sofrem lá fora vários tipos de violência que, por vezes, emergem aqui dentro, não é simples a democracia nesses contextos, temos sempre que ressignificar.
Criamos nossas próprias regras de convivência, acordos e justiça restaurativa.
Temos sempre o cuidado de reconstrução de vínculos afetivos, com corpos que sofrem muitos tipos de violência na nossa sociedade.
O Coletivo das Minas é muito atuante e tem seus métodos de resolução de conflitos, acolhimento, espaço seguro e desconstrução do machismo.
Nossa política abarca outras cosmovisões, diálogos com os povos originários e negros, energia e espiritualidade.
Somos visíveis por parte da sociedade como alvo de estigmatização e invisibilizados por não estarmos no “padrão” normativo, mesmo assim, somos reconhecidos por muitos (universidades, SESC, museus, outros movimentos etc.).
Nossa forma de atuar é apartidária e não eleitoral, mas não apolítica; ao contrário, é profundamente política.
A Ouvidor é aberta, não se fecha ao mundo, tem um caráter internacionalista, conectado com muitas lutas e grupos em todas as partes.
Por fim: para conhecer a Ouvidor, viva a Ouvidor, venha estar conosco!
Os 4 fios narrativos são importantes para a escolha de obras, vídeos e áudios, objetos, documentos e textos de parede que serão apresentados na exposição. Não constituem núcleos temáticos ou curatoriais estanques, mas se cruzarão em todos os espaços, como apresentaremos a seguir.
Expografia: conceito e proposta preliminar
Queremos que o público entre em contato com espaços que o aproximem da experiência de estar na Ouvidor 63. Por isso, há uma dimensão imersiva e sugerimos um percurso por espaços simbólicos da ocupação, que apresentarão os fios narrativos de nossa proposta curatorial. Tratando-se de um museu eminentemente de história, buscaremos equilibrar a dimensão experiencial/imersiva com a informativa/documental. Pretendemos contar a história por meio de espaços representativos e também de material informativo, textos, fotos, vídeos, testemunhos, panfletos, cartazes, tags, minibiblioteca etc. Nossa maneira de contar nossa história será ao mesmo tempo artística e sensorial, documental e política, envolvendo testemunhos e performances. A metodologia, além do percurso sugerido, pressupõe oficinas, apresentações, debates e mediações, permitindo ao visitante também atuar, quando amparado pelo educativo e pelos artistas, e acompanhar as atividades propostas.
Na chegada ao nosso espaço, o público é recebido no ambiente de “rua”, com grafites, um barril com uma televisão que passará o vídeo do momento histórico de entrada no prédio, com som dirigido ao visitante dos gritos de “entra, entra aí” (na ocupação e na exposição). No mesmo espaço ainda temos um painel feito de material reciclado com o nome Centro Cultural Ouvidor 63, uma parede pintada pelos artistas e o portão parecido ao que existia, com uma corrente, um alicate gigante e um pé de cabra ao lado. Depois de ser impactado pelo vídeo, o visitante atravessa o portão e passa a ser também um ocupante (da exposição).
Na portaria, temos uma mesa com um livro de visitantes (como temos na ocupação) e nas paredes o registro histórico-fotográfico da Ouvidor, um texto de contextualização e infográficos apresentando a nossa trajetória (informações básicas). É o local onde estará uma grande maquete do prédio, de acrílico, com os andares coloridos dentro indicando os espaços de arte e suas linguagens.
Em seguida, o visitante poderá escolher dois caminhos: direto para o salão principal ou entrar no “quarto”. Nesse quarto cenográfico, que simula os da nossa ocupação, será abordado o direito à moradia, nossa vida cotidiana, nosso vestuário, nossa intimidade e as condições de permanência. Funcionará com modo luz negra e com modo luz branca (5 minutos cada um, por exemplo), com dois tipos de informações trazidas à vista pela luz. Teremos no quarto colchonetes e pufes para o visitante poder se deitar, se acomodar e assistir, no teto, uma projeção de vídeos captados com câmera panorâmica em nossos quartos, contando as nossas formas de usá-los (momento luz negra). Esse é o espaço mais íntimo, mas que também é um ateliê, como é na ocupação (e que pode ser usado para atividades do educativo), com uma mesa de luz, uma prateleira com espaço para colocar os colchonetes enrolados e travesseiros, manequins apresentando nossa atitude política com as roupas diferentes do comum, quando podemos falar de nosso brechó, dos corpos indóceis (não padrão) e das pessoas que atuam com figurinos. Quando a luz branca estiver acesa, passaremos vídeos históricos em cinco pequenos televisores sobre o dia a dia, reformas de manutenção etc., e um áudio com um texto narrado por nós contextualizando as imagens enquanto são mostradas.

Planta esquemática da organização do espaço e núcleos temáticos.
No salão principal, o piso apresenta um mapa-múndi para tratar de nosso internacionalismo, itinerância, cosmopolitismo. O mapa será composto por tipografia de palavras significativas para a Ouvidor e desenhos das trajetórias dos artistas representados, por onde passaram até chegarem na ocupação. Usando o conceito de circularidade, vamos pendurar tecidos e molduras desde o teto, e os visitantes deverão caminhar ao redor dessas obras, olhando-as de ambos os lados. Em outra parte do salão, ainda sobre o mapa, teremos uma mesa de vidro multiúso (onde será possível sentar e ler um livro da biblioteca, por exemplo) para apresentação de material gráfico ou ativação artística, apoio à cozinha, rodeada de banquinhos móveis.
Em um dos cantos do salão teremos outro espaço de vida cotidiana, a “cozinha”, onde será instalado um televisor contando nosso projeto do Recicle, um carrinho que usamos para a coleta de alimentos, limpeza e preparo, além de textos e fotos representando a partilha, o combate à fome, a economia solidária e as diferentes culturas gastronômicas que se encontram na Ouvidor. Teremos pia, armário, fogão, geladeira da ocupação, panelas penduradas, latinhas, pratos etc. Não será uma cozinha funcional, apenas cenográfica, de forma que mostre a tipologia de cozinhas da ocupação, como mote para falarmos da alimentação comunitária, étnica e com reciclagem.
Seguindo pelo salão, teremos o espaço da “biblioteca”, também remetendo à nossa biblioteca da ocupação, com cadeiras e estantes e uma seleção de nossos livros e pesquisas feitas sobre a Ouvidor, da pesquisa Fapesp-Unifesp que estamos desenvolvendo. A mesa central circular pode servir de apoio a quem precisar. Ao lado, haverá um espaço chamado “ouvir ouvidor”, com um orelhão reciclado, em que o visitante escuta uma coletânea de áudios de ruídos ambientais da ocupação, como sonoridades da rua, do terminal de ônibus, galera fazendo um som, de manutenção predial, da bomba de água, das cozinhas, malabares, conversas distorcidas de reuniões, cachorros latindo, crianças brincando etc. É uma experiência sonora-sensorial, complementar aos áudios dos testemunhos, do outro lado do salão (ver mais adiante).
Ao lado da entrada para o educativo, ainda no salão principal, teremos a simulação da nossa escada caracol, que é identitária da Ouvidor, e representa nossa noção de tempo-espaço e arte cinética. Será reproduzida com uma vídeo instalação sobre uma escada cenográfica, mostrando o percurso de subida, grafites nas paredes, pessoas circulando, os andares, em movimento espiral contínuo. Faremos isso com o mapping de efeito de profundidade em 3D com um projetor digitalmente programado. Ninguém precisará subir uma escada real.
No salão principal há também um piso/lona semicircular, sugerindo um pequeno picadeiro de circo e apresentações em praça pública, ficará encostado na parede de fundo, na qual teremos imagens, lambes com fotos da história das artes de palco na Ouvidor, nosso projeto do Circo Social, variétés, entre outros. Serão instalados também trilhos para cortina, para os dias de performance.
Ao lado do palco teremos o acervo testemunhal das pessoas contando sua história de vida e na Ouvidor com fones para três pessoas e banquinhos. Estamos coletando esses depoimentos já há algum tempo e aumentamos a coleta com a pesquisa Fapesp.
Nas paredes do salão teremos a oportunidade de apresentar nossas linguagens artísticas e eventos por meio de textos e infográficos, fotos em diversos formatos (ampliadas e emolduradas), objetos (como um soundsystem, uma maquete do projeto motor-humano).
Em três lugares da exposição o público poderá pegar cartazes e lambes para levar para casa, produzidos especialmente para a ocasião.
As atividades com o educativo serão coordenadas com os artistas da ocupação, prevendo rodas de conversas, oficinas relâmpago, oficinas de maior duração, pocket shows etc. Para isso, seria importante poder contar com o espaço do educativo também para ateliês e conversas.
Programação de atividades e apresentações
A exposição contará com uma participação ativa de artistas-moradores, pesquisadores do projeto Unifesp/Fapesp/Ouvidor e apoiadores convidados da Ouvidor 63.
As formas de participação dos artistas e convidados ocorrerão nas seguintes modalidades:
Mediação: em colaboração com o Educativo do Memorial, mantendo um plantão por dia, com diferentes artistas-moradores em diálogo com o público.
Pocket shows: apresentações artísticas pequenas e de curta duração ao longo do dia (o mesmo grupo que estiver naquele dia fará cerca de três intervenções no momento de maior chegada de público e escolas), em diferentes linguagens. Há um rodízio planejado para as apresentações, uma vez por semana, alternando as linguagens. Para isso, faremos uso do palco proposto, ou outros espaços apropriados e autorizados no edifício.
Oficinas com rodas de conversa: serão duas tardes de oficinas por mês, com diferentes temas e linguagens, em data a ser programada com o museu. Os artistas oficineiros farão uma conversa, além da atividade prática, entremeando momentos de reflexão, discussão e execução. Para isso utilizaremos preferencialmente o espaço do Educativo, como Ateliê, prevendo um público de até 30 pessoas.
Palestras e projeções de filmes: com convidados no Auditório do edifício, prevendo um público de até 100 pessoas. As palestras serão cadastradas como atividades acadêmicas pela Unifesp e serão fornecidos certificados aos participantes.
Ações de comunicação nas redes sociais: com postagens e vídeos, divulgando a exposição e a programação, atividade essencial para o sucesso de público e mídia.
Registro histórico: também faremos a documentação das performances, oficinas, debates, visitação do público, gerando um pequeno documentário no final.
Memorial da Resistência
Exposição no Memorial da Resistência: como apresentar em um museu a história e a existência da Ouvidor 63?
(Ano)
2023
(Descrição)
memorial da resistência

memorial da
resistência
Exposição no Memorial da Resistência: como apresentar em um museu a história e a existência da Ouvidor 63?
Em maio de 2022, a Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) entrou em contato com o Memorial da Resistência para uma possível exposição sobre a ocupação Ouvidor 63, fruto de projeto de pesquisa que estava sendo apresentado para concorrer no edital Fapesp LinCAr Abordagens Inovadoras em Linguagem, Comunicações e/ou Artes, tendo como pesquisador responsável o Prof. Pedro Fiori Arantes, do Departamento de História da Arte. A coordenadora do Memorial, museu da Secretaria de Cultura e Economia Criativa do Governo do Estado de São Paulo, Ana Pato enviou carta de apoio e declarou que o Memorial “tem interesse em receber em seu espaço a exposição prevista”.
Em dezembro de 2022 saiu o resultado do Edital e foi selecionado o nosso “Projeto Ocupações: Arte, espaço e reinvenção da vida cotidiana a partir da ocupação cultural ‘Ouvidor 63’ em São Paulo”, do qual atualmente participam sete pesquisadores, dos quais três são artistas-moradores da Ouvidor. O projeto prevê a pesquisa-ação participante em colaboração com os artistas-moradores em todas as suas etapas.
Em abril de 2023, já com a pesquisa Fapesp LinCAr instalada, o grupo de pesquisadores apresentou uma primeira proposta, como “pontapé inicial”, intitulada “Habitar a cultura: ocupar, resistir, imaginar, criar, documentar…”. A proposta foi bem recebida pelo Memorial e fomos convidados para uma reunião em julho de 2023 e outra em dezembro, quando recebemos as orientações e o prazo para envio de uma proposta mais detalhada para a exposição, com a previsão da exposição para setembro a dezembro de 2025.
A partir de então passamos a trabalhar num projeto mais detalhado da exposição, envolvendo mais artistas, que foram convidados nas Assembleias Gerais realizadas nas segundas-feiras. Fizemos diversas reuniões na ocupação Ouvidor 63 entre dezembro de 2023 e março de 2024, das quais participaram mais de dez artistas-moradores, dois estudantes e um professor da Unifesp.


Reuniões entre dezembro de 2023 e março de 2024 para desenvolvimento da proposta da exposição no Memorial da Resistência. Fotos: Pedro Arantes.
Adotamos uma metodologia participativa desde o princípio, com rodas de conversas mais livres, propostas de palavras-geradoras que fossem significativas das identidades, das práticas e do modo de vida na Ouvidor, para definição de eixos organizadores para os temas recorrentes (como se verá no texto da proposta apresentada a seguir).



Reuniões para desenvolvimento da proposta da exposição no Memorial da Resistência. Fotos: Pedro Arantes.
À medida que a proposta avançava, nos subdividimos em grupos de trabalho (texto, expografia, programação) e instalamos um projetor para apresentar os avanços de cada grupo e trocar impressões sobre as ideias que estavam sendo traçadas, construindo consensos. Foram surgindo os primeiros esboços de como ocupar o espaço disponibilizado pelo Memorial para a exposição. Aos poucos as ideias foram tomando forma expositiva.


Reuniões para desenvolvimento da proposta da exposição no Memorial da Resistência. Fotos: Pedro Arantes.
Propusemos, assim, uma curadoria e reflexões coletivas sobre a história da Ouvidor 63, que completou 10 anos de existência em 1º de maio de 2024. O documento final foi finalizado em março e entregue para a direção do Memorial, que recebeu muito positivamente e nos chamou para uma nova reunião de trabalho e refinamento, já com foco na captação e em detalhes da produção.



Reunião de trabalho e refinamento com a direção do Memorial. Fotos: Pedro Arantes.
Em dezembro de 2024, ainda no processo preparativo da exposição, a diretora Ana Pato e 12 membros da equipe técnica do Memorial da Resistência agendaram uma visita e passaram uma tarde conosco conhecendo a ocupação. A iniciativa foi importante tanto para os técnicos do museu conhecerem melhor a Ouvidor 63 e terem mais clara a materialidade da proposta e dos sujeitos que a formularam quanto para os artistas contarem por sua voz como é a ocupação e tirarem dúvidas para a exposição.






Visita da equipe técnica do Memorial à Ocupação. Fotos: Pedro Arantes.

Visita da equipe técnica do Memorial à Ocupação. Foto: Rose Steinmetz.
Reproduzimos a seguir a proposta entregue e aprovada pelo Memorial da Resistência. Ajustes, cortes e reprogramações são possíveis em função da captação de recursos em andamento e das condições de produção e expografia ao final. A exposição está programada para setembro de 2025.
PROJETO DE EXPOSIÇÃO NO MEMORIAL DA RESISTÊNCIA
Ouvidor 63: Habitar a Arte
História e vida na maior ocupação cultural da América Latina
Argumento
O que significa ocupar um edifício com propósitos de moradia e de produção artística simultaneamente? O que esse tipo de ocupação possibilita em termos de práticas artísticas e reinvenção da vida cotidiana? O que a experiência específica das ocupações de São Paulo nos dizem sobre as ocupações em geral e sua história? O que podemos aprender mergulhando em uma experiência singular em curso, a da Ocupação Cultural Ouvidor 63, e quais elementos podem ser dali extraídos para pensar as práticas imaginativas contemporâneas em sua batalha por produzir modos de vida que sejam indissociáveis da produção de uma dimensão estética e ética, em contextos colaborativos e autogestionários?
A Ocupação Ouvidor 63 é um espaço de resistência urbana, política e cultural, que tem uma história rica e complexa, com diversas camadas e trajetórias que se cruzam. Desde a ocupação, em 2014, do antigo prédio abandonado da Secretaria de Cultura, com 13 andares, na Rua do Ouvidor, este tem sido um lugar de resistência, criação e reinvenção da relação arte-vida. Cerca de 100 artistas, metade deles de outros países vizinhos, vivem nesta que é reconhecida como “a maior ocupação cultural da América Latina”.
Nos 13 andares do prédio, subsolo e terraço, nós artistas habitamos em um centro cultural comunitário, auto-organizado tanto por andares de “afinidades” e projetos em comum quanto globalmente, com a assembleia geral semanal. Em todo o prédio, dormitórios, cozinhas e banheiros compartilhados estão ao lado de ateliês, estúdios, espaços de ensaio, exposições, biblioteca, jardins, plantas e o teatro La Mimo. Nesse sentido, diferentemente das ocupações dos movimentos de moradia, mas compartilhando a necessidade de morar, nós artistas da Ouvidor 63 “habitamos a arte”. Com todos os significados que isso possa ter, literais e alegóricos, como forma de dar sentido à cultura como experiência visceral, de transitar por ela por diferentes meios, linguagens, sujeitos, aprendizados e obras coletivas.
Trata-se de uma ocupação incomum, de moradia e arte, um centro cultural que nasce a partir da definição de uma comunidade de existências e experiências compartilhadas. Um centro cultural que não é estatal nem privado, é autogerido e baseado em trocas, solidariedades, afetos e práticas de reinvenção da cotidianidade. É, por isso, também, uma escola internacional e livre de artes, um espaço onde corpos insurgentes realizam exercícios estéticos e políticos decoloniais, afro-indígenas-latino-americanos. Exploramos outros mundos possíveis em todos os lugares. Ocupamos não apenas o nosso prédio, mas também as ruas e as esquinas, as praças, os metrôs, as periferias. Somos artistas das ruas, somos artistas itinerantes, irreverentes e insurgentes.
As noções de tempo e espaço lineares, ocidentais, cartesianos e coloniais estão colocadas em xeque. A exploração espaço-temporal envolve outras relações, circulares, espirais, de ancestralidade, de futuros presentes no passado, de temporalidades mágicas e espirituais. São tempos lentos, não submetidos à lógica da troca mercantil, mas da profunda escuta dos ritmos do corpo e da mente, do coletivo e de indivíduos livres. O tempo-espaço é espiralar como a própria escadaria que dá acesso aos 13 andares do prédio e seu subsolo. Em cada pavimento abre-se uma porta e suas temporalidades, linguagens, obras e imaginações coletivas de uma comunidade visceral e colaborativa, que explora as fronteiras da existência, num jogo lúdico e sério de arte, vida, resistência e invenção.
Como contar nossa história em uma exposição no Memorial da Resistência, um museu dedicado às histórias de luta do povo brasileiro, pela democracia, pela liberdade e pela igualdade? Como contar essa história agora que nossa zona de autonomia completa 10 anos e se consolida, mas não quer se congelar? E, ao mesmo tempo, escrevemos esta proposta de exposição com o Governo do Estado nos ameaçando de despejo. Estamos em risco, mas o risco é parte da nossa história. Estamos em estado de liberdade, mas ela tem um custo na sociedade em que vivemos, e precisa sempre ser defendida.
Na exposição, nossa forma de narrar deve ser coerente com nossa visão e experiência do tempo espaço. É não linear, é espiral, é material e espiritual, é de sobrevivência e de transcendência. É uma história que contaremos de forma não exatamente cronológica, mas de um tempo histórico de múltiplas camadas, que se sobrepõem e se retroalimentam, temporalidades curtas e longas, memórias e saberes ancestrais articulados com a instantaneidade digital de uma metrópole global. É esse transe/trânsito no tempo que alimentará a forma de contar nossa existência para o público. A arte torce o tempo linear fazendo-os produzir temporalidades cruzadas e simultâneas.
Utilizaremos também a luz negra em alguns ambientes como forma de trazer à vista o que está oculto (à vista e socialmente). Jota Mombaça e Musa Michelle Mattiuzzi, no texto Carta à leitora preta do fim dos tempos, reconhecem o poder da luz negra como reveladora de histórias, corpos e saberes invisibilizados:
A luz negra postulada na forma generativa, um conhecimento que demanda outras ferramentas para ser apreendido. A luminosidade da luz negra revela o que está oculto, transparente em conformidade com a norma. Trazer esse pensamento nos tempos de hoje é um exercício de experimentação sobre o fazer futuro e o mundo; uma experimentação implicada nos rastros para a ancestralidade. (p. 15)
Para além da luz negra em si, como dispositivo luminotécnico e óptico, nossa exposição pretende lançar uma luz negra sobre as histórias das ocupações em nosso país e dos espaços de invenção de novos modos de vida, aquilombamentos urbanos e outros futuros, que nos conectem com ancestralidades e com utopias. A exposição sobre a maior ocupação cultural da América Latina pretende criar esse efeito de revelação, surpresa, inspiração e luta, que a luz negra proporciona. Contará nossas histórias na Ouvidor 63, mas, além disso, quer lançar o público diante do dilema e do desafio de atravessar o portão de um prédio abandonado, de ocupar, resistir, imaginar e criar outros mundos possíveis. Vivenciar nosso exercício de re-existência e de experimentação concreta, possível e necessária, e estimular ao menos naqueles que se indignam com a injustiça, o racismo, a desigualdade e a brutalidade a que somos submetidos estruturalmente e no dia a dia pela ordem social, policial e capitalista.
Fios narrativos
O que nos caracteriza é um certo jeito de articular arte, vida cotidiana e política. É isso que tentaremos contar entrelaçando quatro fios narrativos:
Quem somos?
Como fazemos arte?
Como a arte afeta a vida?
E nossa forma de fazer política?
Quem somos?
Ainda de forma exploratória, em rodas de conversa geramos algumas palavras-significativas que podem nos definir e que apresentaremos não apenas na forma escrita, mas mobilizando um conjunto de dispositivos audiovisuais, cênicos e performáticos.
Somos artistas, ocupantes, moradores, inventores, pesquisadores…
Para nós não há uma separação entre arte e vida, nem entre moradia e ateliê/estúdio.
Nosso jeito de fazer arte e de viver é o que fala por nós.
Somos fruto de lutas históricas e internacionais, contraculturais, antissistêmicas.
Nossa identidade não é fixa, está sempre em movimento, envolve trocas, transformações, renovações.
Somos diversos em nossos corpos, saberes, técnicas e estéticas.
Somos várias (re)existências e várias lutas.
Somos internacionalistas, itinerantes, híbridos.
Viemos de várias origens, culturas, línguas, trajetórias, e todos chegamos a um ponto: a Ouvidor 63.
Existe uma força/energia que nos atrai e nos conecta nesse lugar.
Somos parte integrante de um prédio vivo, nosso corpo coletivo.
Somos uma grande família e abolimos a família tradicional e patriarcal.
Geramos redes de apoio comunitárias.
Somos contra a propriedade privada.
Vivemos no coletivo, nossa ocupação é de todes, ninguém é dono de nada.
Somos artistas das ruas e temos orgulho disso.
Ressignificamos o lixo da metrópole, na reciclagem de matérias e de ideias.
Quem passa pela Ouvidor 63 se transforma, é um marco em nossas vidas, um antes e depois.
Como fazemos arte?
É indissociável nossa relação entre arte, vida e política, há uma circularidade, tudo se conecta, um gera o outro, como no símbolo de reciclar. Mas vamos desenvolver um pouco cada elemento de forma separada para poder aprofundar. Na proposta expositiva essas dimensões estarão articuladas.
A arte para nós não é uma esfera separada, é parte da própria existência.
O que chamamos de arte aqui? Mais um modo de vida do que obras físicas.
Essa visão nos conecta a vários povos e ancestralidades que integram arte e vida.
Há artistas aqui de várias linguagens, mas elas estão permanentemente se interligando, hibridizando e vamos aprendendo de tudo.
A Ouvidor é uma Escola livre de artes, um espaço de aprendizagem através de diálogo, experimentação e troca horizontal.
Nosso jeito de fazer as coisas é pelo convívio e pelo acolhimento.
Fazemos oficinas gratuitas, ateliês livres, circo social, sem cobrar por isso.
Nosso saber artístico não se vende.
As obras sim, podem ser vendidas, mas nós não estamos à venda.
Temos menos dependência econômica que outros artistas, não temos o peso de um aluguel, por exemplo, o que aumenta nossa liberdade.
Experimentamos um sonho, um mundo ideal e possível.
Nossa arte é socialmente engajada com as lutas, com as minorias, contra o sistema.
Ressignificamos cotidianamente o que é arte, o modo de fazê-la, de ensiná-la, de fruí-la.
Como a arte afeta a vida?
Estar nessa ocupação é uma necessidade e uma escolha. Um problema e uma vontade. Envolve riscos diversos, ameaças e o peso permanente do despejo. Ao mesmo tempo, é um espaço mais comunitário e livre das pressões capitalistas por trabalho assalariado e aluguel. A precariedade é também liberdade.
Morar numa ocupação de 13 andares com 100 moradores é um exercício de vida em comunidade.
Vivemos em um espaço cultural, que é um lugar de trabalho, aprendizado e fruição.
Vivemos em um espaço que também é público e aberto.
Recebemos gente de todos os lugares, estamos sempre acolhendo artistas itinerantes e independentes, com ideias criativas, vontade de trabalhar, ensinar e aprender.
Quem vem morar aqui não é dono de nada, não tem espaço fixo de ninguém.
Podemos circular pelos andares, morar com coletivos diferentes, aprender linguagens diferentes.
Criamos crianças em comunidade, dando apoio a mães e pais.
Temos espaços seguros para as crianças, mulheres e comunidade LGBTQIAP+
Temos dinâmicas coletivas, grupos de trabalho, assembleia comunitária, aprendemos a fazer acordos e decidir por consenso.
Nosso prédio é um organismo vivo, tudo muda constantemente, as pessoas, os andares e o visual.
Nos organizamos em mutirão para os reparos do dia a dia, para dividir a comida, para compartilhar equipamentos, para lavar a escadaria etc.
Fazemos de tudo, inclusive a “arte da manutenção predial”: elétrica, hidráulica, alvenaria, limpeza e ferramentas técnicas.
Exercemos a moradia artística, nossa casa-ateliê-coletivo é um livro aberto, escrito por muitas mãos.
Temos animais, plantas, horta coletiva vertical, em coexistência conosco.
Ninguém vive só para si, fazemos coisas com e para a comunidade.
Há conflitos que são mediados, de forma restaurativa e conciliatória, evitando o punitivismo.
E nossa forma de fazer política?
Como tomamos decisões coletivas e horizontais? Quais são as estratégias de políticas internas e externas da ocupação? Como funcionam as divisões de tarefas e autonomias pelos andares? Como nos organizamos frente às ameaças de reintegração de posse pelo Estado?
Temos espaços de decisão em cada andar e uma assembleia geral semanal do prédio.
Criamos uma associação para dialogar com instituições, universidades e com o Estado.
Participamos de fóruns de lutas, mantemos diálogos com outros movimentos e ocupações, mandatos parlamentares e ONGs.
Os espaços de discussão e deliberação são democráticos e abertos a todos os moradores e eventuais convidados ou novos interessados em ingressar no prédio.
Temos permanentemente que aprender a viver em coletivo, resolver conflitos, saber apresentar os pontos de vista, debater, criar empatia e solidariedade.
A relação com o Estado é instável, ora de parceria, ora de ameaças.
Contamos com uma rede de apoiadores e um advogado parceiro para nossa defesa.
Vivemos situações de tensão, por vezes de caos e precariedade; os moradores aqui sofrem lá fora vários tipos de violência que, por vezes, emergem aqui dentro, não é simples a democracia nesses contextos, temos sempre que ressignificar.
Criamos nossas próprias regras de convivência, acordos e justiça restaurativa.
Temos sempre o cuidado de reconstrução de vínculos afetivos, com corpos que sofrem muitos tipos de violência na nossa sociedade.
O Coletivo das Minas é muito atuante e tem seus métodos de resolução de conflitos, acolhimento, espaço seguro e desconstrução do machismo.
Nossa política abarca outras cosmovisões, diálogos com os povos originários e negros, energia e espiritualidade.
Somos visíveis por parte da sociedade como alvo de estigmatização e invisibilizados por não estarmos no “padrão” normativo, mesmo assim, somos reconhecidos por muitos (universidades, SESC, museus, outros movimentos etc.).
Nossa forma de atuar é apartidária e não eleitoral, mas não apolítica; ao contrário, é profundamente política.
A Ouvidor é aberta, não se fecha ao mundo, tem um caráter internacionalista, conectado com muitas lutas e grupos em todas as partes.
Por fim: para conhecer a Ouvidor, viva a Ouvidor, venha estar conosco!
Os 4 fios narrativos são importantes para a escolha de obras, vídeos e áudios, objetos, documentos e textos de parede que serão apresentados na exposição. Não constituem núcleos temáticos ou curatoriais estanques, mas se cruzarão em todos os espaços, como apresentaremos a seguir.
Expografia: conceito e proposta preliminar
Queremos que o público entre em contato com espaços que o aproximem da experiência de estar na Ouvidor 63. Por isso, há uma dimensão imersiva e sugerimos um percurso por espaços simbólicos da ocupação, que apresentarão os fios narrativos de nossa proposta curatorial. Tratando-se de um museu eminentemente de história, buscaremos equilibrar a dimensão experiencial/imersiva com a informativa/documental. Pretendemos contar a história por meio de espaços representativos e também de material informativo, textos, fotos, vídeos, testemunhos, panfletos, cartazes, tags, minibiblioteca etc. Nossa maneira de contar nossa história será ao mesmo tempo artística e sensorial, documental e política, envolvendo testemunhos e performances. A metodologia, além do percurso sugerido, pressupõe oficinas, apresentações, debates e mediações, permitindo ao visitante também atuar, quando amparado pelo educativo e pelos artistas, e acompanhar as atividades propostas.
Na chegada ao nosso espaço, o público é recebido no ambiente de “rua”, com grafites, um barril com uma televisão que passará o vídeo do momento histórico de entrada no prédio, com som dirigido ao visitante dos gritos de “entra, entra aí” (na ocupação e na exposição). No mesmo espaço ainda temos um painel feito de material reciclado com o nome Centro Cultural Ouvidor 63, uma parede pintada pelos artistas e o portão parecido ao que existia, com uma corrente, um alicate gigante e um pé de cabra ao lado. Depois de ser impactado pelo vídeo, o visitante atravessa o portão e passa a ser também um ocupante (da exposição).
Na portaria, temos uma mesa com um livro de visitantes (como temos na ocupação) e nas paredes o registro histórico-fotográfico da Ouvidor, um texto de contextualização e infográficos apresentando a nossa trajetória (informações básicas). É o local onde estará uma grande maquete do prédio, de acrílico, com os andares coloridos dentro indicando os espaços de arte e suas linguagens.
Em seguida, o visitante poderá escolher dois caminhos: direto para o salão principal ou entrar no “quarto”. Nesse quarto cenográfico, que simula os da nossa ocupação, será abordado o direito à moradia, nossa vida cotidiana, nosso vestuário, nossa intimidade e as condições de permanência. Funcionará com modo luz negra e com modo luz branca (5 minutos cada um, por exemplo), com dois tipos de informações trazidas à vista pela luz. Teremos no quarto colchonetes e pufes para o visitante poder se deitar, se acomodar e assistir, no teto, uma projeção de vídeos captados com câmera panorâmica em nossos quartos, contando as nossas formas de usá-los (momento luz negra). Esse é o espaço mais íntimo, mas que também é um ateliê, como é na ocupação (e que pode ser usado para atividades do educativo), com uma mesa de luz, uma prateleira com espaço para colocar os colchonetes enrolados e travesseiros, manequins apresentando nossa atitude política com as roupas diferentes do comum, quando podemos falar de nosso brechó, dos corpos indóceis (não padrão) e das pessoas que atuam com figurinos. Quando a luz branca estiver acesa, passaremos vídeos históricos em cinco pequenos televisores sobre o dia a dia, reformas de manutenção etc., e um áudio com um texto narrado por nós contextualizando as imagens enquanto são mostradas.

Planta esquemática da organização do espaço e núcleos temáticos.
No salão principal, o piso apresenta um mapa-múndi para tratar de nosso internacionalismo, itinerância, cosmopolitismo. O mapa será composto por tipografia de palavras significativas para a Ouvidor e desenhos das trajetórias dos artistas representados, por onde passaram até chegarem na ocupação. Usando o conceito de circularidade, vamos pendurar tecidos e molduras desde o teto, e os visitantes deverão caminhar ao redor dessas obras, olhando-as de ambos os lados. Em outra parte do salão, ainda sobre o mapa, teremos uma mesa de vidro multiúso (onde será possível sentar e ler um livro da biblioteca, por exemplo) para apresentação de material gráfico ou ativação artística, apoio à cozinha, rodeada de banquinhos móveis.
Em um dos cantos do salão teremos outro espaço de vida cotidiana, a “cozinha”, onde será instalado um televisor contando nosso projeto do Recicle, um carrinho que usamos para a coleta de alimentos, limpeza e preparo, além de textos e fotos representando a partilha, o combate à fome, a economia solidária e as diferentes culturas gastronômicas que se encontram na Ouvidor. Teremos pia, armário, fogão, geladeira da ocupação, panelas penduradas, latinhas, pratos etc. Não será uma cozinha funcional, apenas cenográfica, de forma que mostre a tipologia de cozinhas da ocupação, como mote para falarmos da alimentação comunitária, étnica e com reciclagem.
Seguindo pelo salão, teremos o espaço da “biblioteca”, também remetendo à nossa biblioteca da ocupação, com cadeiras e estantes e uma seleção de nossos livros e pesquisas feitas sobre a Ouvidor, da pesquisa Fapesp-Unifesp que estamos desenvolvendo. A mesa central circular pode servir de apoio a quem precisar. Ao lado, haverá um espaço chamado “ouvir ouvidor”, com um orelhão reciclado, em que o visitante escuta uma coletânea de áudios de ruídos ambientais da ocupação, como sonoridades da rua, do terminal de ônibus, galera fazendo um som, de manutenção predial, da bomba de água, das cozinhas, malabares, conversas distorcidas de reuniões, cachorros latindo, crianças brincando etc. É uma experiência sonora-sensorial, complementar aos áudios dos testemunhos, do outro lado do salão (ver mais adiante).
Ao lado da entrada para o educativo, ainda no salão principal, teremos a simulação da nossa escada caracol, que é identitária da Ouvidor, e representa nossa noção de tempo-espaço e arte cinética. Será reproduzida com uma vídeo instalação sobre uma escada cenográfica, mostrando o percurso de subida, grafites nas paredes, pessoas circulando, os andares, em movimento espiral contínuo. Faremos isso com o mapping de efeito de profundidade em 3D com um projetor digitalmente programado. Ninguém precisará subir uma escada real.
No salão principal há também um piso/lona semicircular, sugerindo um pequeno picadeiro de circo e apresentações em praça pública, ficará encostado na parede de fundo, na qual teremos imagens, lambes com fotos da história das artes de palco na Ouvidor, nosso projeto do Circo Social, variétés, entre outros. Serão instalados também trilhos para cortina, para os dias de performance.
Ao lado do palco teremos o acervo testemunhal das pessoas contando sua história de vida e na Ouvidor com fones para três pessoas e banquinhos. Estamos coletando esses depoimentos já há algum tempo e aumentamos a coleta com a pesquisa Fapesp.
Nas paredes do salão teremos a oportunidade de apresentar nossas linguagens artísticas e eventos por meio de textos e infográficos, fotos em diversos formatos (ampliadas e emolduradas), objetos (como um soundsystem, uma maquete do projeto motor-humano).
Em três lugares da exposição o público poderá pegar cartazes e lambes para levar para casa, produzidos especialmente para a ocasião.
As atividades com o educativo serão coordenadas com os artistas da ocupação, prevendo rodas de conversas, oficinas relâmpago, oficinas de maior duração, pocket shows etc. Para isso, seria importante poder contar com o espaço do educativo também para ateliês e conversas.
Programação de atividades e apresentações
A exposição contará com uma participação ativa de artistas-moradores, pesquisadores do projeto Unifesp/Fapesp/Ouvidor e apoiadores convidados da Ouvidor 63.
As formas de participação dos artistas e convidados ocorrerão nas seguintes modalidades:
Mediação: em colaboração com o Educativo do Memorial, mantendo um plantão por dia, com diferentes artistas-moradores em diálogo com o público.
Pocket shows: apresentações artísticas pequenas e de curta duração ao longo do dia (o mesmo grupo que estiver naquele dia fará cerca de três intervenções no momento de maior chegada de público e escolas), em diferentes linguagens. Há um rodízio planejado para as apresentações, uma vez por semana, alternando as linguagens. Para isso, faremos uso do palco proposto, ou outros espaços apropriados e autorizados no edifício.
Oficinas com rodas de conversa: serão duas tardes de oficinas por mês, com diferentes temas e linguagens, em data a ser programada com o museu. Os artistas oficineiros farão uma conversa, além da atividade prática, entremeando momentos de reflexão, discussão e execução. Para isso utilizaremos preferencialmente o espaço do Educativo, como Ateliê, prevendo um público de até 30 pessoas.
Palestras e projeções de filmes: com convidados no Auditório do edifício, prevendo um público de até 100 pessoas. As palestras serão cadastradas como atividades acadêmicas pela Unifesp e serão fornecidos certificados aos participantes.
Ações de comunicação nas redes sociais: com postagens e vídeos, divulgando a exposição e a programação, atividade essencial para o sucesso de público e mídia.
Registro histórico: também faremos a documentação das performances, oficinas, debates, visitação do público, gerando um pequeno documentário no final.